SHERNO ou memórias da guerra na Guiné |
MALDITO VÍRUS
a noite seguinte saímos logo pela madrugada, o 3.º e 4.º pelotões comandados pelo capitão Capucho com o objectivo de atacar um ponto estratégico onde, segundo informações, se encontravam "Turras" acampados.
Era já dia e íamos caminhando silenciosamente através da selva, quando por volta das 6 horas a coluna parou durante mais ou menos 10 minutos.
Passados que foram mais 15 voltou a parar ... e nós, os da frente, sem saber porquê ... e assim sucessivamente, fomos parando de tempos a tempos? ...
Até que, intrigados, fomos averiguar o porquê de tantas paragens e ficámos estupefactos por ver tantos homens parados a olhar o Vírgolino a cagar, ao mesmo tempo que o capitão Capucho bufava de furioso, possivelmente receando que o vírus se propagasse naquele instante e fossemos todos apanhados pelo inimigo com as calças na mão.
O Vírgolino cagou com as mãos a esconder a cara que estava pálida de vergonha e nós avançámos, até que, passado outro quarto de hora, parámos novamente para ver o Vírgolino a abrir os cabazes ... e de cada vez que o Vírgolino cagava havia sempre alguém que dizia:
- Lá vai mais meio kilo.
Enquanto que outros diziam:
- Lá vão mais 750 grs.
E assim sucessivamente, até fazer 2 kilos, porque o Vírgolino era grande como o caraças e devia de medir cerca de 2 metros.
Até que chegou a um ponto em que o Vírgolino quase rebentava de tanto cagar e tiveram de chamar um helicóptero para o vir buscar e levar para o Hospital.
O gozo foi de tal ordem, que eu estou a reviver esta passagem e quase rebento a rir ... só que na altura os gozos duraram pouco, porque passados alguns dias metade da Companhia passava a vida com as calças na mão.
O furriel Santinho tinha umas injecções que talvez pudessem resolver o problema, só que tinha receio de as testar, até que, apareceu um voluntário que lhe disse:
- Ou me dá a injecção ou dou um tiro na cabeça, porque já estou farto de andar de dia e de noite com as calças na mão.
Esse voluntário fui eu. E só com uma injecção muito pequenina, que continha um precioso líquido castanho, senti-me completamente aliviado, restabelecido e curado. E até hoje, felizmente, nunca mais tive problemas iguais ou parecidos com esse.
Depois de eu ter sido o "cobaia" foi sempre a aviar e todos ficaram curados, mas antes disso ainda há outra história para contar.
O Jack, era oriundo do Cercal do Alentejo e uma jóia de rapaz, actualmente vive em Alcácer do Sal e por ainda pertencer ao mundo dos vivos bem pode ir a Fátima agradecer a todos os santinhos da sua devoção.
Porque foi por um triz que eu não lhe enfiei um balázio, e só por mera estupidez da parte dele ... e por ter de andar sempre com as calças na mão.
O meu amigo Jack também teve o azar de ser atacado pelo vírus e numa noite quando eu me encontrava de reforço, de costas voltadas para o abrigo a olhar o rio, ele saiu com as calças na mão para a parte de trás sem me avisar e ai se ocultou sem que eu disso me apercebesse.
Aconteceu que depois de se sentir aliviado surgiu pela parte de trás do abrigo. Eu, vendo um vulto a aparecer no escuro pus instintivamente a patilha da arma em posição de fogo e disparei, indo a bala projectar-se de encontro à quina da parede.
O Jack só teve tempo de recuar e gritar, pois que eu conforme disparei corri pronto a descarregar sobre o intruso, porque durante a noite tudo o que mexia era para abater.
O Jack não ganhou para o susto e tremia que nem varas verdes. Mas o certo é que eu fiquei pior ou igual a ele.
Podia ter acontecido uma grande desgraça e eu tenho a certeza que se o tivesse atingido ficava a bater mal para o resto dos meus dias.
Felizmente que não aconteceu o pior. Mas podia ter acontecido e eu ficava maluco.
Todos nós sabíamos que há alguns tempos atrás, houve um caso precisamente igual a este, numa outra zona da Guiné. Só que o outro camarada infelizmente não teve a mesma sorte do Jack, sendo tragicamente abatido. E o Jack mesmo sabendo deste caso, foi proceder precisamente da mesma forma. Esta falta de atenção podia ter-lhe custado a vida. Mas enfim, safou-se e isso é que foi importante ... tanto para mim como para ele.