SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

UM TIRO NO MATO

 

        

 

a próxima saída que tivemos, ele mandou-me seguir em último, talvez por ter pensado que podia aparecer outra jibóia e nesse caso eu já não os desorientava, nem tão pouco os punha a dançar.

         O Púscas seguia à minha frente, era o penúltimo. Nisto saímos do capim e entrámos na mata ainda meio descampada. Notámos que as aves se agitavam levantando voo, enquanto os macacos nervosos saltavam de galho em galho.

         Curvámo-nos silenciosamente, ao mesmo tempo que prosseguíamos devagar, com a arma pronta a disparar, ao mais pequeno indício de perigo.

         Nisto, passa-me uma loucura pela cabeça e pensei dar um tiro para o lado, só para os ver mandarem-se para o chão.

         Assim o pensei e assim o fiz, e a reacção deles não se fez esperar, foram todos ao tapete, excepto eu que fiquei de pé.

         Quando se aperceberam que fui eu o autor de tal proeza, uns olharam-me com os olhos a faiscar, enquanto que outros simplesmente olharam para mim e baixaram a cabeça, tal como o alferes Samaritano. Estes últimos deviam ter pensado. ‘’Coitado do Serra’’ está a ficar igual ao Fiúza. Mas se assim pensaram estavam muito mal enganados, porque eu de louco não tinha nada. O que eu tinha sim, era revolta, um certo sentido de irresponsabilidade e muita  desmotivação.

         Quando regressámos ao quartel o alferes Samaritano disse-me secamente:

         - Seu Serra pegue nas suas coisas. Quando ele pronunciou estas frases eu até pensei que me ia mandar prender e só sosseguei quando o ouvi pronunciar o final:

         - E vá para o abrigo onde está o Cuxixo.

         Dito isto, foi-se embora sem me fazer qualquer repreensão alusiva ao tiro que dei no mato.

         Fiquei contente e feliz da vida. Calmamente comecei a arrumar as minhas coisas e passado pouco tempo parti rumo à felicidade, que ficava a 600 ou 700 metros.

         Notei uma mudança deveras significativa. A camaradagem era totalmente diferente, mas mesmo assim fui de pé atrás e disposto a dar o mínimo de confiança, para que mais tarde não voltasse a sofrer dissabores.

         Ali éramos oito a partilhar o mesmo abrigo: eu, o Cuxixo, o Fernando, o Atamã, o Pantaleão, o Maneiras, o Zé Báu-Báu e o Marquês. Tudo bom pessoal.

         Fizeram a escala de serviço e concordaram em que eu fizesse o último reforço, das 4 h 30 às 6 h, durante alguns dias, para que eu pudesse descansar praticamente toda a noite, uma vez que me sentia cansado e exausto.