SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

DE CAÇADOS A CAÇADORES

 

        

 

s Fiat's iam bombardeando, e nós mantínhamo‑nos atentos, a qualquer movimentação dos guerrilheiros cubanos e guineenses do P. A. I. G. C. . Quando deparámos, com oito daqueles que durante todo o dia nos tinham feito a vida negra.

         Deixámos que se aproximassem, e mal se aperceberam  caímos-lhes em cima de surpresa, aprisionando-os e despojando‑os de todo o armamento que possuíam  desde a pistola metralhadora PPSH baptizada pelo nosso exército de costureirinha  devido ao som dos disparos que faziam lembrar uma máquina de costura, e a célebre Klashnicov, tudo armas muito superiores às nossas.

          Depois esperámos impacientes que mais viessem, para serem facilmente capturados, e de preferência cubanos. Mas esses eram muito espertos,  muito finos e não se deixavam facilmente capturar, porque para isso estavam lá os "camurços" dos guineenses. A quem eles mandavam para a frente como carne para canhão.

         O pesadelo graças a Deus, terminou, e nós de caçados passámos a caçadores. Com oito guerrilheiros do P. A. I. G. C. capturados, sendo um deles chefe  “turra”.

         Os bombardeamentos terminaram e nós satisfeitos com o resultado, agradecemos ao sobrenatural por termos escapado ilesos de tão terrível confronto. E passámos acreditar que de facto existe Deus.

         Como era hábito, tratámos os seus feridos, que evacuámos de helicóptero para o Hospital de Bissau e deixámos os seus mortos no terreno, para que as  famílias os viessem mais tarde buscar  e  lhes fizessem os rituais fúnebres.

         Havia entre nós como que um código de honra não escrito: eles não nos atacavam quando tratávamos dos feridos (nossos e deles, pois não fazíamos excepção) e nós não os atacávamos quando viessem buscar os mortos.

         Passado o ‘’festival’’, preparámo-nos para regressar ao quartel. Mas uma vez que nos encontrávamos em apuros e sem munições, vieram mais helicópteros para nos proteger. Sobrevoando-nos até atingirmos uma zona já considerada menos perigosa.

         Depois de atingirmos essa zona, ficou só um para nos proteger, que de repente desaparecia para bater a zona, vindo logo de imediato a sobrevoar as nossas cabeças, sendo rendido mutuamente por outro, que de tempos a tempos o vinha substituir.

         Entretanto, os prisioneiros caminhavam tranquilamente no meio da fila, sem ninguém os molestar ou sequer tocar com um dedo, nem mesmo fazermos gestos agressivos ou provocadores.

         Quando chegámos ao quartel já era noite cerrada. Respirámos aliviados por termos escapado ilesos de tão grande pesadelo. Pusemo‑nos à vontade e depois de um banho comemos parte da ração de combate que tínhamos levado para três dias e que felizmente só serviu para um.

         No outro dia os prisioneiros foram levados para Bissau, a fim de serem submetidos a interrogatórios, enquanto nós íamos vendo os dias a passar, ansiosos por voltar a Jabadá, ao mesmo tempo que esperávamos novos acontecimentos.