SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

OS ATAQUES DAS VESPAS

 

        

 

artimos para um reconhecimento: o 2.º e 4.º pelotões, saímos logo pela manhã com o objectivo de percorrermos  15 ou 20 km.

         Deviam ser talvez 10 horas, e nós caminhávamos lentamente por baixo de umas enormes árvores, quando de repente nos soou aos ouvidos um violento e ensurdecedor zumbido de umas vespas que tinham o ninho construído nessas árvores.

         Começaram a deslocar-se assustadoramente em enxames que mais pareciam nuvens negras, vindo furiosamente na nossa direcção para nos atacarem.

         Uns entraram em pânico e desataram a fugir e a gritar, mas a maioria, na qual eu estava incluído, parámos tal e qual estátuas.

         Em menos de um segundo ficámos completamente cobertos de vespas, somente com as pálpebras dos olhos entreabertas, mas mesmo assim com a visão bastante dificultada. Elas passeavam pela cara, pelos olhos, e pior ainda, entravam dentro dos ouvidos a zumbir e a bater as asas, provocando-­nos uma terrível comichão, que nós conseguíamos suportar, com muito sacrifício e sofrimento, caso contrário éramos dolorosamente ferrados.

         Mantivemo‑nos firmes, sem pestanejar e sem tremer. E assim tal e qual estátuas, vimos horrorizados alguns dos nossos a correr  desesperadamente na direcção de um lago que se encontrava perto, completamente cobertos de vespas e com enormes nuvens em sua perseguição. E quanto mais corriam mais "elas" iam no seu encalce.

         Foi terrível ver a aflição dos que se encontravam desesperados. E nós sem nada podermos fazer para os socorrer ou aliviar o sofrimento.

         Conforme mergulhavam dentro de água, logo voltavam a emergir, sempre cobertos de vespas. Sacudiam‑se e gritavam aflitiva e desesperadamente, sem ninguém lhes poder valer.

         As vespas calmamente e sem pressas, lá nos foram deixando. Enquanto que nós, angustiados, nos queríamos ver libertos para podermos acudir aos que se encontravam dolorosamente cravejados de ferrões.

         Com a precipitação de nos vermos libertos, quase todos fomos ferrados. Eu levei duas ferroadas na cabeça e senti bem a dor que cada ferrão causava, enquanto que outros foram mais infelizes, porque ficaram com a cabeça que mais parecia uma abóbora, devido ao inchaço provocado pelo veneno dos ferrões.

         O furriel Duarte foi a maior vitima e quase sucumbiu ao terrível ataque. Inchou dois dobros do que era normal, principalmente a cara e a cabeça. Ficou irreconhecível e nem os olhos se lhe viam.

         Imediatamente comunicaram a pedir socorros e passado pouco tempo pousou um helicóptero junto de nós, que sem demora voltou a levantar voou, já com o furriel praticamente em estado de coma.

         O reconhecimento que íamos fazer, infelizmente acabou ali e sem demora começámos a tirar os ferrões que tínhamos cravados, principalmente na cabeça, com a ajuda de uma pinça que o enfermeiro Fidalgo tinha levado na mala de primeiros socorros.

         O furriel Duarte passou um mau bocado, mas felizmente acabou por se recuperar, depois de longos dias entre a vida e a morte, a sofrer e a lutar contra o terrível veneno das vespas "inimigas".