SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

XANFANA DE CABRA

 

        

 

cabra engordou e antes que alguém a roubasse pensámos fazer um banquete, mas para isso tínhamos de arranjar todos os ingredientes: azeite, cebolas, louro, alhos e batatas.

         O problema era que só uma pessoa tinha isto que nós precisávamos. Mas neste caso não tínhamos outra saída se não convidá‑lo, a troco dos géneros de que necessitávamos.

         Discutimos o assunto mas ninguém manifestava vontade de tomar essa decisão,  uma  vez  que  a  maioria  de  nós  se  sentia  revoltada  contra  ele  pelo  simples  facto  de  ser  ele  o  responsável  pelos  géneros  alimentícios,  e  por  culpa  ou  vontade  dele,  andarmos  a  comer  vezes  sem  conta  toucinho  com  esparguete  ao  almoço,  e  esparguete  com  toucinho  ao  jantar. Até que o Carôlo teve a ideia de fazermos um sorteio para ver quais seriam os dois que iriam fazer o convite ao furriel Gavião e também ao padeiro, a quem nós chamávamos Zé da Brôa e que acabaria por nos ceder o forno e dar o pão.

         Eu e o Morcela dissemos logo que não concordávamos com o sorteio e que preferíamos não comer a ter de ir pedir, fosse o que fosse, ao furriel Gavião.

         Visto ser assim, o Piruças e o Mosca tomaram a decisão de lá irem os dois e em menos de nada, o problema ficou resolvido. Começámos logo a arranjar os tabuleiros que vinham por dentro dos cunhetes das munições, de chapa fina, mas que resistiam bem ao calor do forno.

         No outro dia mal o sol começou a nascer, o Aleixo limpou o sarampo à cabra com um tiro na cabeça, começando logo de seguida a sangrá‑la e a esfolá‑la. Nós descascávamos batatas e cebolas e, em menos de uma hora, tínhamos três tabuleiros cheios de carne, e bem temperada. Imediatamente os levámos para o forno do padeiro, deixando‑os ao cuidado do Zé da Brôa.

         Começámos a comer por volta das 13 horas, com grande camaradagem e alegria, acompanhados pelos nossos convidados: o Maneiras, o Zé Báu‑Báu, o Marquês, o Zé da Brôa, os miúdos Eusébio e Dante, e o furriel Gavião, que depois de se saciar acabou por se ir embora, ficando nós até às tantas a comer, a beber, e a jogar às cartas.

         Foi um almoço memorável que ficou para a posteridade.