SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

A GUERRA PSICOLÓGICA TEVE UM TRÁGICO FIM

 

        

 

assaram‑se quase dois meses praticamente sem darmos um tiro e, segundo tínhamos conhecimento, os oficiais de Buba continuavam a ter encontros com os "Chefes Turras", com o propósito de negociarem a tão desejada paz.

         O gerador do quartel ainda não tinha sido reparado e nós continuávamos sem ver patavina.

Numa noite escura como breu, por volta das dez horas; encontrávamo‑nos todos  fora do abrigo a conversar e a fumar, debaixo de um mangueiro.

         Escusado será dizer que no meio do escuro, os cigarros acesos são vistos a uma razoável distância constituindo um bom ponto de referência para o inimigo fazer pontaria.

         Eu enquanto conversava ia bebendo uma lata de coca‑cola, que mantinha na mão.

         Estávamos todos descontraídos,  desprevenidos para qualquer eventualidade traiçoeira que pudesse surgir e já nem sequer pensávamos na possibilidade de sermos atacados.

         Mas os sacanas aproveitaram a nossa descontracção e, traiçoeiramente aproximaram‑se do arame farpado, e começaram a disparar na nossa direcção.

         Atacaram‑nos só e unicamente com roquete. Assim que as granadas começaram a rebentar por cima de nós e a atingirem o mangueiro desatámos a fugir para dentro do abrigo e com a atrapalhação de querermos entrar todos ao mesmo tempo, caímos uns por cima dos outros.

         Na confusão devo ter entornado a lata da coca‑cola por cima da cabeça, ao mesmo tempo que dei uma cabeçada na parede.

         Enquanto os outros camaradas pegavam nas armas para responder ao ataque, eu apalpei a cabeça e notei que estava toda molhada. Gritei para o Atamã, aflito, dizendo que tinha a cabeça toda estilhaçada.

         Ele imediatamente pegou numa pilha e iluminou‑me. Para meu grande alívio, verificou que afinal o que eu tinha na cabeça, era o líquido da coca‑cola e não sangue provocado pelos estilhaços.

         Praticamente nem chegámos abrir fogo porque os cabrões fugiram logo. Foi uma sorte não sermos atingidos. Até pensámos que eles não nos acertaram porque não quiseram, porque estavam bêbados eram maus atiradores. Fosse como fosse, o importante é que nós safámo-nos ilesos e atribuímos essa sorte a um milagre. Depois do perigo ter passado rimo-nos até às lágrimas com o que me tinha acontecido.

         Passados dois dias recebemos a triste notícia de que os majores e os alferes tinham sido barbaramente assassinados à catanada, incluindo o major que tinha sido assessor de Oliveira Salazar.

         A nossa raiva não teve limites e a guerra acabou por se reinstalar mas desta vez com mais força.

         Os cabrões tiveram praticamente dois meses para se abastecerem de todo o material bélico sem que nós os incomodássemos e desta vez começaram atacar com mísseis, forçando‑nos a abrir valas à volta do abrigo, para nos defender­mos desse maldito engenho.

         Tite estava constantemente debaixo de fogo e precisando a todo o momento de reforços. E mais uma vez calhou ao 4.º pelotão ter de se deslocar para lá, durante mais dois meses.

         Recebemos ordens para estarmos às 14 h 30 no Cais para embarcarmos e eu aproveitei a manhã para me despedir da Huana e da Danka, indo depois para junto da Quintas com quem passei a maior parte do tempo.