SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

O CUXIXO FUGIU PARA OS TURRAS

 

        

 

or volta do meio‑dia começámos a almoçar. Quando acabámos, os miúdos lavaram a loiça e foram para casa. O pessoal, como já ia sendo habitual logo após o almoço, deitaram‑se em cima da cama, uns para ler e outros para uma sesta. Eu e o Cuxixo ficámos cá fora a preparar o material que tínhamos de levar.

         Notei que havia qualquer coisa que não estava bem com o Cuxixo. Só que nunca me passou pela cabeça o que ele tinha planeado e foi talvez  por esse motivo que não lhe fiz pergunta nenhuma alusiva ao seu nervosismo.

         Entrou de repente no abrigo e quando saiu já trazia o camuflado vestido e o cinturão colocado. Depois começou a encher o cantil com água. Perguntei‑lhe para quê tanta pressa uma vez que ainda era tão cedo e ele respondeu‑me com um certo embaraço que preferia já estar pronto e que se eu quisesse me podia ir deitar um bocado, que ele ficava cá fora.

Vim para dentro e deitei‑me em cima da cama a ler um jornal antigo. No abrigo uns dormiam e outros também liam.

         Seriam 14 horas quando eu me comecei a preparar. Vesti‑me, peguei no saco e na arma, e saí para dizer ao Cuxixo que viesse buscar a bazuca e a Vaultier, para irmos os dois juntos para o cais. Só que, para meu espanto, o Cuxixo tinha sumido.

         Abeirei‑me à entrada do abrigo e disse para os outros:

         - O sacana do Cuxixo foi‑se embora e não me disse nada. Só não percebo onde é que se meteu porque ainda tem aí as armas.

         - Se calhar está nas tabancas. Disse o Zé Báu-Báu.

         - Bom, esteja aonde estiver, o problema é dele. Respondi eu.

         - Só que foi uma grande irresponsabilidade da parte dele  ter abandonado o abrigo deixando-nos expostos a uma série de perigos e isso não é de homem.

         - Eu vou andando para cima, e quando ele aparecer digam-lhe que não perca muito tempo, porque está quase na hora do barco largar. Disse eu.

         O Maneiras veio cá para fora de sentinela e eu despedi‑me da rapaziada com um adeus e até breve.

         Quando cheguei ao comando o furriel Loys que na altura comandava o 4.º pelotão uma vez que o alferes Samaritano se encontrava em Bissau e só mais tarde se iria juntar a nós em Tite.  Disse‑me:

         ‑ Seu Serra, porque é que o Cuxixo não veio consigo?    Respondi‑lhe que não o vi e que as armas dele ainda estavam no abrigo.

         Perante a minha resposta chamou o Alverca e disse‑lhe para pegar num jipe e ir ao abrigo buscar o Cuxixo.

         Passados momentos chegou o Alverca de mãos a abanar, dizendo que não o encontrou e que ninguém sabia dele.

         O furriel não disse nada e correu a avisar o alferes Souto França que no momento comandava a Companhia uma vez que o capitão Capucho se encontrava de licença na Metrópole. O alferes Souto que por sua vez já devia suspeitar da fuga  logo deu ordem para virmos imediatamente no seu encalce.

         Partimos com passo apressado em direcção a uma aldeia que ficava a 6 ou 7 km de distância: Gã‑Pedro.

         Quando chegámos a população informou‑nos de que o Cuxixo estivera lá à duas horas atrás, com um Bi‑Grupo de "Turras" (mais ou menos 80 homens) que o levava.

         Sem perdermos tempo andámos mais 9 ou 10 km até à próxima aldeia, Gã­-Formoso. Aí a população informou‑nos que os "Turras" tinham estado a cozinhar arroz e a assar frango, para dar ao tropa branco ... e que tratar ele muito bem.

         Prosseguimos novamente até perto da fronteira com o Senegal onde chegámos já com o escurecer. O furriel Loys, vendo que já não havia hipóteses de agarrar o Cuxixo uma vez que já se encontrava do outro lado, deu ordem para regressarmos ao aquartelamento, onde chegámos já noite dentro. O barco que nos ia transportar para Tite, já tinha entretanto regressado a Bissau.

         Voltámos aos abrigos e mal chegámos começou um violento ataque do inimigo que durou aproximadamente duas horas e foi de tal ordem que até pensámos que o Cuxixo lhes tinha transmitido algumas informações.