SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

A DETENÇÃO DO CUXIXO

 

        

 

al desembarquei por volta das 11 horas, fui‑me apresentar ao capitão, que ficou admirado pelo meu regresso tão repentino. Contei‑lhe como tinha decorrido a festa, e sem perder tempo, vim para baixo com passo apressado, na direcção da casa da Quintas.

         A Quintas estava sentada debaixo do alpendre, olhando distraidamente o tacho que estava ao lume. Olhei‑a silenciosamente, sem que ela se apercebesse da minha presença ali. Notei que estava triste e pensativa, vagueando os pensamentos possivelmente pelos sítios onde imaginava que eu me pudesse encontrar. Enquanto eu, com os cotovelos apoiados no muro, esperava que ela levantasse a cabeça e me visse. Quando me viu olhou‑me pasmada e de um salto correu para me abraçar.

         Beijámo‑nos e apertámo‑nos com muita força, até que ela me largou bruscamente, correndo para o tacho, que deitava fumo e já cheirava a arroz queimado.

         A Quintas dentro daquele meio indígena e selvagem, era simplesmente deslumbrante: a mais formosa e bela de toda a aldeia, cobiçada e adorada por todos ... mas somente amada por mim.

         Passado o desastre, perguntei‑lhe se sabia alguma coisa da Menina Bonita. Respondeu‑me que não, mas logo que soubesse me dizia.

         Entretanto, preparei‑me para sair e disse‑lhe:

         ‑ Vai preparando os teus afazeres, de modo a que possas ficar cá de tarde, para ficarmos algumas horas juntos. Ela acenou que sim com a cabeça e  depois de a beijar saí.

         Quando cheguei ao abrigo já o pessoal me esperava. Depois das saudações amigáveis, mudei de roupa e sentei‑me à mesa.

         Almoçámos harmoniosamente, sendo eu a personagem principal, contando as cenas da festa, e as outras facetas por que passei nos últimos dias.

         Entretanto o Fernando aproximou‑se de mim e disse‑me:

         - Serra fiz aquilo que tu me pediste, mas ela ficou muito triste, e eu notei que gosta muito de ti ... mesmo de verdade, por isso estima‑a.

         - Estimo sim Fernando, porque também gosto muito dela. Agradeço‑te o favor que me fizeste avisando‑a e as palavras amigas que agora acabaste de pronunciar.

         Quando cheguei fui logo ter com ela e felizmente está tudo bem entre nós. Contou‑me também que tu lhe foste dar a notícia da minha partida,  que tinha ficado muito triste, mas isso já passou.

         Entretanto notei a ausência do Cuxixo e perguntei se o 4.º pelotão tinha saído para o mato. Responderam‑me que sim, mas que foram logo pela manhã e que já tinham regressado.

         - Então e o Cuxixo? Porque é que ainda não chegou? Perguntei eu.

         - Ai tu ainda não sabes? Disseram eles. Se não sabes nós vamos contar‑te.

         - O Cuxixo foi perguntar ao Dante (ex‑chefe turra) como é que havia de fazer para fugir para o lado do inimigo. O Dante explicou‑lhe com todos os detalhes e pormenores a maneira mais eficaz para que não tivesse problemas, nem tão pouco tivesse de sofrer as consequências, caso a fuga falhasse.

         Só que depois de o informar de tudo, fez‑se na volta, e foi avisar o capitão.

         Imediatamente o vieram buscar e agora encontra‑se detido na enfermaria, à espera que o capitão decida o que fazer.

         Ele defende‑se dizendo que está inocente, que o Dante exagerou naquilo que foi contar e que tudo não passa de uma grande mentira.

         O capitão talvez por gostar muito dele, está quase a acreditar, caso contrário já o tinha mandado debaixo de prisão para o Forte de Bissau.

         Agora vamos esperar que acredite e que o mande de volta, porque aqui é que ele faz falta, mais que não seja para fazer reforço.