SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

O DANTE

 

        

 

Dante foi um valoroso chefe ‘’turra’’ que acabou por cair num golpe de mão, por nós preparado ... ele e mais três guerrilheiros seus subordinados.

         Era alto, magro, ágil como uma gazela. Tinha uma idade compreendida entre trinta a trinta e três anos.

         Chegados a Jabadá foram fechados numa arrecadação onde se mantiveram durante dois dias sob rigorosa vigilância, até seguirem para Bissau afim de serem interrogados pelos agentes da Pide.

         Regressaram passada uma semana, já libertos e prontos a serem integrados na nossa comunidade. Mantinham ainda vestida a mesma roupa com que foram capturados ou seja, camisa e calças de camuflado, com botas de lona calçadas, excepto o Dante que as tinha de cabedal.

         Mais tarde o capitão Capucho mandou chamar o Daga que era o chefe da aldeia. Junto com ele vinha também o ‘’Cipaio’’, que era o polícia e se apresentou impecavelmente uniformizado com calções, camisa creme, chapéu colonial, botas de lona e a inseparável chibata na mão.

         Depois de uma breve conversa saíram os dois acompanhados dos ex-prisioneiros, já com instruções dadas, para os distribuírem pelas casas dos seus compatriotas.

         Mas o Dante era um hóspede muito especial e talvez devido às suas preciosas informações teve direito a regalias sociais muito diferentes das dos outros.

         Instalaram-no numa tabanca recentemente construída. Deram-lhe duas raparigas novas para o servirem e atribuíram-lhe também uma pequena verba mensal em dinheiro, incluindo uma saca de 50 kg. de arroz.

         Com todas estas benesses, o Dante passou de ‘’Turra’’ a Príncipe de Jabadá, e com mérito porque devido ao seu carácter excepcional, acabou por conquistar a simpatia e a amizade da maioria de nós.

         Como ele, centenas ou milhares de Guineenses, que se aliaram à nossa causa por reconhecerem e sentirem que nós éramos sociáveis e humanos por natureza. E também por saberem que só atacávamos ou destruíamos se nos forçassem a isso, ou para nos defendermos, e talvez por estes motivos, eles sentissem amizade por nós.

         O relacionamento amigo e humano que mantivemos com os povos africanos, deveu-se ao facto de sermos tolerantes e compreensivos, e de gostarmos de transmitir os nossos conhecimentos. Estes comportamentos sem dúvida excepcionais das nossas tropas, foram a nossa grande coroa de glória e a nossa maior vitória.

         Hoje toda a verdade veio ao de cima, e todos os povos das nossas ex-colónias nos consideram como grandes amigos ... sem falsidade ou racismo.