SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

VOLTANDO A TITE (DOMINGO DE FESTA)

 

        

 

s preparativos para a festa avançavam com animação e alegria. Ao mesmo tempo que nós cantores íamos ensaiando com o conjunto.

         Eu pouco mais fazia que comer, dormir e beber uns copos com os amigos.

         Domingo por volta das 11 horas, pousaram na pista os helicópteros que transportavam o Comandante Chefe e a sua fanfarra, composta por negros africanos.

         Os músicos mal deixaram os helicópteros, começaram‑se a organizar e dali mesmo vieram a tocar, com o Brigadeiro Spínola ligeiramente à frente, de monóculo e chibata. E se não se fizesse acompanhar pelos comandantes e oficiais do destacamento, nós até íamos pensar que era ele o maestro.

         Chegados ao quartel o brigadeiro e os oficiais separaram‑se e seguiram em direcção há messe.

         A fanfarra continuou, tocando pelos caminhos principais, vindo a população em massa para os aplaudir e ver a Banda passar.

         Mandaram‑nos formar na parada, e o Brigadeiro Spínola começou o seu discurso habitual, louvando‑nos pelos nossos factos e feitos e pela nossa coragem e valentia. Terminou dizendo:

         ‑ Em nome da Pátria, agradeço todos os vossos sacrifícios, e em nome da Pátria vos digo: Louvados sejam.

         O rancho nesse dia foi melhorado: carne de vaca estufada, arroz doce, e vinho à descrição.

         Por volta das 14 horas deram‑se as últimas afinações nos instrumentos e no som. Às 15  começámos o espectáculo.

         Eu fui o penúltimo. Cantei duas canções do Gianni Morandi, uma do Litlle Tony e outra do Raphaelo.

         Fui aplaudido e cumprimentado por muitos que me abraçaram, principalmente pelo Alcino e pelo Mário que gostavam muito de me ouvir.

         Acabada a festa regressei ao Posto de Rádio, para descansar e o Alcino disse‑me:

         ‑ Agora ficas por cá até ao fim da semana, à espera de transporte. Não sejas parvo e faz render o peixe, porque tu aqui és um senhor. Não fazes reforços, não vais para o mato, ou qualquer outro serviço. Por isso não sejas parvo, e fica por cá mais alguns dias porque aqui é que tu estás bem.

         Respondi‑lhe que ia arranjar maneira de me ir embora já amanhã.

         - Mas como se não tens transporte? Perguntou ele.

         ‑ Depois vais ver. Disse‑lhe eu.

         O Alcino ficou admirado com a pressa que eu tinha, para me vir embora, e disse que eu era um grande otário.

         Expliquei‑lhe que Jabadá agora se encontrava calma e pacifica, e que eu me sentia lá bem, porque andava todo entusiasmado a fazer uma horta.

         Ele não engoliu e disse:

         ‑ Não me contes histórias, porque eu não acredito, e para não ficares cá, tem que haver um motivo muito mais forte.

         Ele não acreditou e eu também não lhe satisfiz a curiosidade. Simplesmente me limitei a disfarçar a ansiedade que tinha, em me vir embora.

         No outro dia logo pela manhã, preparei a trouxa e fui ter com o Oficial de Dia. Disse‑lhe que uma vez que ali já não fazia nada, me queria vir embora para Jabadá, porque era lá que eu fazia falta.

         Disse‑me para esperar, que podia ser que entretanto viesse algum helicóptero ou avioneta, que me pudesse levar lá.

         Insisti, pedindo‑lhe para que me autorizasse a vir ao Enxudé, donde depois eu pediria para me levarem num Zebro a Jabadá.

         Ele acedeu e eu não perdi mais tempo. Fui ao Posto de Rádio buscar o saco e ao mesmo tempo despedir‑me do Alcino e dos restantes camaradas.

         Agradeci‑lhes a estadia e fui pedir ao Mário para me levar de Jipe ao Enxudé, com autorização já concedida pelo Oficial de Dia.

         Chegados ao Enxudé apresentei‑me ao alferes responsável, que depois de saber o que eu pretendia, deu ordem ao barqueiro de serviço para me transportar.

         Despedi‑me do Mário e em menos de 20 minutos já estava em Jabadá.