SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

3  DE  SETEMBRO  DE 1969

 

        

 

capitão Duro Capucho fez 33 anos. Um acontecimento por nós comemorado com um aliciante almoço de confraternização.

         O jantar foi comemorado entre eles, oficiais e sargentos, e de que maneira.

         Nesse dia por volta das 10 horas da noite estava eu de sentinela, quando de repente vejo surgir um vulto em direcção ao abrigo, que me pareceu que vinha pelo caminho a dançar a valsa... ocultei-me para ver quem era o dançarino.

         Face ao espanto verifiquei que era o alferes Oliva Samaritano com uma valente bebedeira nos queixos. Nem quis acreditar, mas enfim os homens ali eram de barba rija, e até nem era uma coisa do outro mundo ver um homem bêbado, só que na pessoa do alferes Samaritano era mesmo de estranhar.

         Possivelmente até estava a tentar meter a figadeira à prova, depois de tantos anos habituada a digerir chá e leite, mas o pior era se ela resistia e começava a ganhar habituação. Mas o problema era dele.

         Mostrei-me e ele reconheceu-me. Embora de vez em quando entrássemos em confronto e até fizéssemos faísca reconheci que no fundo até éramos amigos.

         - eh meu alferes como é que você vem. Disse eu, e ele com a voz arrastada respondeu:

         - Serra ajuda-me, discuti com o Capitão e fui corrido, ajuda-me e deixa-me dormir na tua cama. 

         De boa vontade levei-o para dentro do abrigo e ajudei-o a deitar e a descalçar as botas, perante o gozo e as gargalhadas dos outros.

         Por sorte a minha cama estava isolada, junto das granadas e dos cunhetes de munições, as outras ficavam na entrada junto à mesa redonda.

         Passado pouco tempo começou a gritar ao gregório, aquele chão tresandava a vomitado e ele meio sufocado não parava de gritar por mim, enquanto os outros quase rebentavam com tanto riso, principalmente o Fiúza que não parava de chorar a rir.

         Veio outro fazer sentinela, e eu fui socorrer o alferes que não parava de gritar.

         - Então, então ... se bebesse chá não estava assim. Ele compreendeu mal e arrastando a voz disse:

         - Serra ... Serra ... eu não quero chá, eu quero é morrer.           Passados momentos, novamente vomitou para o chão e voltou repetir:

         - Serra ... Serra ... Porque é que Deus não me leva? E eu respondi:

         - Merda  já Deus lá tem até demais!...

         Com esta foi o fim, a malta rebolou-se pelo chão e riram até chorar e eu quase rebentava de tanto rir com aquilo que dizia.

         Por fim adormeceu no sufoco do vomitado que abundava por aquele chão fora.

         Entretanto o Fiúza entrou de reforço e eu fui-me deitar na cama dele. Acordei por volta das seis horas. Levantei-me e fui ver se o homem ainda estava vivo com cuidado para não pisar o vomitado.

         Fiquei espantado com o que vi... o chão estava completamente limpo e sem vestígios de porcaria. As ratas tinham lambido tudo e possivelmente também ficaram bêbedas, dado a abundância de ensopado de álcool vomitado pelo alferes Samaritano, que segundo eu  soube mais tarde, foi ele quem tomou a iniciativa desta festa de aniversário, que surpreendeu emocionalmente o capitão Capucho.