SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

O TRISTE NAUFRAGO

 

        

 

ia 24, véspera de Natal por volta das 6 horas da manhã as sinetas do navio começaram a badalar, dando o alarme para qualquer perigo iminente.

         Deixámos os porões onde dormíamos como ratos e rapidamente subimos para cima para ver o que tinha acontecido.

         O navio parou e as ondas rodearam‑no ferozmente, batendo‑lhe por todos os lados como a querer parti-lo.

         Em segundos novamente se pós em marcha.

         - Isto é um absurdo.

         Comentavam alguns. 

         - Porque é que tocaram o alarme e pararam o navio?

         Alguma coisa de grave se passou.

         Comentavam outros.

         Nisto olhámos para baixo e vimos à ré alguns dos nossos, juntamente com a tripulação, a gritar e a levantar os braços.

         Curiosamente descemos e disseram‑nos que foi um soldado que se tinha lançado aos tubarões.

         Conforme o navio se afastava, olhámos para as águas revoltas e não vimos nem vestígios de sangue nem do corpo.

O pobre infeliz, conforme se mandou, foi rapidamente engolido pelas enormes vagas. Soubemos mais tarde que pertencia a uma das companhias que viajava connosco, e era portador de uma terrível doença venérea.

         Perante esta triste situação, veio‑me à cabeça a recordação dos dois infelizes que eu vi em Bolama, a tomarem banho desprovidos completamente do sexo e que segundo me disseram, se um dia fossem obrigados a voltar, iriam proceder da mesma forma. Estas situações foram bastante tristes e lamentáveis e tocaram‑me profundamente. Embrenhado que estava com estes pensamentos, que nem dei com a presença do Marôco junto a mim. Depois de me olhar disse-me timidamente:

         - Serra, preciso de falar contigo.

         - Conta disse eu, sem lhe dar grande importância.

         - Estou lixado começou ele, quando estivemos em Bissau à espera de embarque forniquei uma gaja no Pilão e a puta encalicou-me.

         - Isso é grave pá. Mas se queres que te dê um conselho, faz o mesmo que este ainda agora acabou de fazer ... manda-te aos tubarões.

         Disse eu a brincar.

         - Não brinques pá, porque estou mesmo desorientado.

         Vendo que a coisa não era para brincadeiras disse-lhe:

         - Anda lá abaixo ao porão, para que discretamente me mostres essa merda.

         Viemos para baixo e ele logo me mostrou a gaita, num sítio livre de olhares curiosos.

         Fiquei aterrorizado com o que vi: o Marôco tinha o pénis numa lástima, com a cabeça completamente coberta de grandes borbulhas que mais pareciam furúnculos, com grandes carnicões de cabeças amarelo esverdeado.

         - É pá! estás cheio de cavalos duros.

         Disse eu:

         - E é grave?

         Respondeu ele.

         - Não sei, como nunca tive. Mas penso que sim ... se fosse um esquentamento acho que era pior.

         Respondi eu.

         - E agora o que é que me aconselhas a fazer?

         - A ires imediatamente ao médico, antes que essa merda comece a alastrar e ainda te caía a gaita aos bocados. Anda que eu vou contigo.

         Por sorte foi logo atendido por um médico jovem e atencioso, que logo de imediato o mandou pôr o cú à prova, com injecções de penicilina, dando-lhe depois um frasco de líquido para lavar e desinfectar a parte atingida e um tubo de pomada para depois aplicar.

         Passou a levar duas injecções por dia, uma de manhã e outra ao fim da tarde, e a fazer rigorosamente o tratamento com o desinfectante e a pomada.

         De vez em quando eu perguntava-lhe se a "coisa" estava a sarar, e ele mais animado respondia-me que sim.

         - Graças a ti, que foste um gajo porreiro e um grande amigo, que me aconselhaste e levaste ao médico, por tudo isso estou-te muito agradecido ... agora o que me custa mais é ter de levar as putas das injecções, porque o líquido parece vidro a entrar pelas nádegas dentro e eu fico à rasca do cu.

         - Pois é - respondi eu, - mas quando estavas a fornicar a macaca não te lembras-te disso. - Pois não. Ele sorriu e encolheu os ombros, já muito mais animado.

         Passados três dias nem parecia o mesmo, já sorria e brincava na maior das alegrias. E as rixas que tivemos um com o outro, acabaram por se dissipar com o tempo, dando lugar à amizade ... até Lisboa, porque até hoje nunca mais o vi e acho,  que também nunca mais foi visto no Pilão.