SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

A MAIOR NOTÍCIA

 

        

 

stávamos nos finais do mês de Novembro e sabíamos que a todo o momento podíamos finalmente deixar Jabadá, uma vez que já tínhamos quase vinte e dois meses de comissão e, segundo nos disseram, na Guiné as comissões eram dezoito meses porque a guerra era diferente das restantes colónias, destruindo-nos muito mais. Só que já se tinham passado mais quatro e nós ainda lá continuávamos.

         No dia vinte e oito logo pela manhã, mandaram-nos formar na parada e para nossa grande surpresa e alegria, o capitão Capucho fez-nos um grande e amistoso discurso, começando por dizer mais ou menos estas palavras.

         - Chegámos praticamente ao fim da nossa comissão que sei, foi bastante dolorosa. E sei também que muitos de vocês, devido ao sofrimento se tornaram grandes homens. Faço votos para que na vossa vida futura se sirvam de tudo quanto aqui aprenderam. A serem humanos, humildes, calmos, inteligentes e compreensivos com todas as pessoas com quem vão conviver, e sobretudo se tornem em exemplares chefes de família.

         Estes são os votos sinceros do homem que os comandou durante mais de dois ­anos.

         Depois de o aplaudirmos, retomou a palavra dizendo que no próximo dia 1 de Dezembro, chegava a Companhia que nos vinha render e que nos mesmos barcos, partiriam para Bissau os 1.º e 2.º Pelotões. Os restantes ficavam durante mais oito dias para apoiar e orientar quem nos vinha render.

         Depois mandou que o sargento Taínha começasse a distribuir emblemas da companhia e outras recordações, entre elas a Medalha das Campanhas da Guiné, com que fomos condecorados.

         Por fim foi‑nos entregue um diploma com data antecipada de 21 de Dezembro de 1970, assinado pelo Comandante Militar, atestando o seu apreço pelos serviços prestados à Pátria na Província da Guiné.

         Terminadas as entregas, destroçámos e demos pulos de contentamento. Finalmente acabaram‑se os desânimos e a injustiça da guerra, agora era só esperar mais alguns dias de ânimos levantados.

 

        Mais tarde o capitão Capucho publicou no último jornal ‘’Os Dragões de Jabadá’’, o seguinte artigo dedicado a nós:

 

         O caminho percorrido foi longo, muitas vezes penoso mas é reconfortante pensar que serviu, ao longo da comissão, para nos mantermos unidos, já que por via da campanha, andámos quase sempre separados, e servirá estou certo disso, de recordação agradável das passagens alegres ( já que as tristes se esquecem facilmente) que aqui vivemos nestas terras quentes da Guiné.

Na província já se encontram aqueles a quem passaremos o ’testemunho’ e é também a estes que dedicamos algumas palavras.

 

A vossa tarefa não vai ser fácil, julgo que o sabeis. Nesta guerra não pode haver contemporizações pois o inimigo não pára na sua evolução e as populações esperam poder continuar a trabalhar livremente segundo os seus costumes e sob a nossa protecção. O trabalho é portanto muito, nas vossas mãos deixamos o que conseguimos fazer e esperamos que com a vossa juventude e força de vontade por certo alcançarão os fins a que se propõem. Assim Deus os ajude.

 

Por fim resta-nos uma última palavra para aqueles que tudo fizeram, para que aquilo que foi feito, fosse uma realidade.

A palavra é de agradecimento a todos vocês Dragões que nunca voltaram a cara aquilo que foi preciso fazer, quer fosse uma operação, fazer uma escola ou até repartir a vossa comida com tantos necessitados que encontramos. São bem dignos da admiração e do respeito de todos.

Faço, por fim, votos para que ao regressarmos à Metrópole encontrem todos os vossos familiares com saúde, porque orgulhosos de vós estarão com certeza.

              

          Até sempre,

 

          O VOSSO COMANDANTE DE COMPANHIA

 

         Não há dúvida que estas palavras do valoroso e inteligente homem que nos comandou tocaram-nos profundamente. E foi graças à disciplina que sempre soube impor tanto aos oficiais como aos soldados que nós regressámos todos com vida, todos os da nossa companhia porque das restantes companhias do Batalhão infelizmente não se pode dizer o mesmo.

         Na altura as ordens rigorosas que nos transmitia eram para nós contraditórias e de revolta, e só hoje que trinta anos se passaram reconheço que foi graças à sua rigidez e ao seu modo de actuar com imposição e braço de ferro, e também ao seu sentido de orientação porque ele conseguia organizar e orientar tudo, preocupando-se sobretudo com os caminhos que os seus homens trilhavam para que não enveredassem pelo desleixo e rebaldaria.

         Contribuiu sem sombra de dúvida muito para o nosso vitorioso regresso com maturidade e alegria.

         O capitão Capucho foi um grande homem que nos soube comandar. Sem ele muitos de nós teríamos ficado pelo caminho. Ensinou-nos a melhor maneira de nos conformarmos com a sorte e com a vida merecendo sem dúvida o reconhecimento de todos nós.

         Aqui fica pois, registado esta nota de apreço.