SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

JABADÁ PARECIA A PRINCESA DO GEBA

 

        

 

hegados a Jabadá corri logo desenfreadamente para os braços da Quintas, que me recebeu louca de alegria.

         Os pais também se encontravam presentes e juntos conversámos durante alguns momentos, até que perguntei à Quintas se sabia alguma coisa a respeito da menina bonita. Disse‑me que tinham vindo uns vizinhos de Bissau e que lhe tinham contado que estiveram com a menina e com os pais. Que felizmente se encontrava bem e que já nem parecia a mesma. Só que os pais sentem‑se bem em Bissau, e não querem voltar mais a Jabadá, e que por esse motivo era quase impossível eu voltar a vê‑la.

         Lamentei mas o que importava é que a menina estava curada e só de o saber sentia uma grande alegria.

         Despedi‑me dizendo que voltava de tarde e vim apressadamente pelo meio das tabancas, com o saco e a arma às costas, na direcção do abrigo.

         Quando saí das tabancas e olhei em frente, fiquei espantado a olhar para todos os lados à procura do abrigo, mas dele nem vestígios. Tinha sido demolido e substituído por outro novo, que se encontrava mais à frente, talvez 200 ou 300 metros mais avançado.

         A horta ainda se mantinha no mesmo sitio sem ser danificada e os legumes saltavam à vista, grandes e bonitos, excepto os tomates que não desenvolveram, e mais pareciam berlindes, porque para crescerem, teriam de ser criados debaixo de árvores, para não apanharem muito Sol. De resto estava tudo bonito e viçoso.

         Encaminhei‑me lentamente na direcção do novo abrigo. O pessoal recebeu-­me de braços abertos e logo de seguida me mostraram as novas instalações.

         Não há dúvida que tinham bons acabamentos. Eram superiores aos antigos e muito mais arejados, só que as paredes eram muito mais finas, mas talvez mais resistentes porque estavam construídas em cimento armado, com paredes duplas e areia no meio.

         À volta do abrigo não abriram valas, porque o P.A.I.G.C. ultimamente não atacava com mísseis, talvez por ficar mais dispendioso ao país que lhos fornecia.

         Depois de tanto hesitarem, tristemente  me  transmitiram que eu já não ficava ali porque segundo as ordens do capitão Capucho, quando eu regressasse voltava para o abrigo Beira‑Mar, ou seja, voltava às origens, ao 1.º abrigo onde estive quando cheguei a Jabadá, onde as ratas lamberam o vomitado do alferes Oliva Samaritano, e que eu no início do livro, insisti em chamar de Marte.

         Visto ser assim, seja feita a vontade do capitão Duro Capucho disse eu. Depois despedi‑me, peguei na trouxa e lá vim eu alegremente direito ao abrigo do Beira‑Mar plantado.

         Por um lado senti‑me triste por ter de deixar esta boa camaradagem, que para mim foram excepcionais, sem deixar de esquecer os bons e agradáveis momentos que todos juntos passámos, por outro lado sentia‑me contente em voltar às origens, de onde aliás nunca devia ter saído.

         E não há dúvida que no Beira‑Mar sempre tinha mais vantagens. Estava junto ao rio e o perigo não era tão iminente como nos abrigos mais avançados, que se encontravam praticamente no meio da selva. Nós só tínhamos de tomar atenção ao rio.

         Tínhamos também a vantagem de estarmos mais perto do comando e do cais, e vermos chegar algum barco que lá atracasse, que sempre nos ajudava a passar o tempo. Por outro lado tinha a desvantagem de ficar mais longe da Quintas, mas a vantagem de estar a dois passos da Huana e da Danka. Enfim, o que era preciso era passar o tempo da melhor maneira possível, desde que não fosse para pior.

         O abrigo estava precisamente na mesma, só com a diferença de estar caiado recentemente por dentro. O telhado continuava com palha, enquanto que os novos já tinham telhados de lusalite. De resto mantinha‑se tudo na mesma, excepto o pessoal que era outro, mas felizmente todos excepcionais.

         Lá estavam os putos Eusébio e Dante, que quando me viram, logo correram ao meu encontro, agarrando‑se a mim, não escondendo a alegria que sentiam, por me terem de volta. E lá estavam também, o Piruças, o Mosca, o Rato, o Carôlo, o Morcela e o Aleixo a quem nós por vezes de brincadeira, chamávamos Grão de Bico e Cabeça de Cobra, por ele ter uma cabeça muito pequenina e um corpo muito grande. De resto estávamos bem uns para os outros, porque formámos até ao fim, uma excelente equipa, passando momentos verdadeiramente agradáveis, os quais eu ainda hoje recordo com imensas saudades.

         Depois de arrumar os meus objectos e fazer a cama, ofereci‑me para vir com o Dante e o Eusébio, buscar o almoço à cozinha do comando.

         Enquanto esperava, notei que Jabadá estava diferente. Os edifícios todos caiados, uma porta de armas por onde só passava quem o sentinela deixasse e muitos outros melhoramentos. Jabadá até parecia a Princesa do Geba e ainda por cima com nove abrigos, recentemente construídos nas partes avançadas.

         Não há dúvida que o capitão Capucho se esmerou e acho até que se o Comandante Chefe Brigadeiro António de Spínola nos visitasse iria ficar deslumbrado e encantado com o trabalho do capitão. E possivelmente até seria capaz de lhe atribuir uma promoção ou um louvor. E até quem sabe as duas coisas. Só que nesse caso, o Trôlha teria de ser louvado e condecorado, com a mais alta distinção ... aliás todos os soldados da Companhia e a alguns do Batalhão de Engenharia 447 que vieram dar uma ajuda, porque foi a estes que se ficou a dever o maior esforço e sacrifício pela obra realizada.