SHERNO ou memórias da guerra na Guiné |
PARTIDA SEM DESPEDIDA
uando cheguei ao abrigo, o pessoal estava todo entretido, na parte da frente, a preparar a terra para fazer uma horta. O Fernando era o mais entusiasta. Já tinham as sementes que mandaram vir da Metrópole agora era só lançá-las à terra e esperar a chuva, porque o terreno era fértil e em pouco tempo as sementes começariam a brotar à superfície da terra.
O Zé Báu‑Báu estava de plantão nesse dia, e competia‑lhe a ele, ir com os dois miúdos, buscar o almoço à cozinha no comando.
Pediu‑me se eu fazia esse serviço por ele. De bom grado acedi e vim com os dois miúdos, que transportavam as duas terrinas de inox à cabeça. Eu levava a cafeteira igualmente de inox, que servia como vasilhame para o vinho, e de manhã para o café.
Chegámos com o almoço e eu chamei‑os para a mesa. Começámos a refeição e quando acabámos, os miúdos depois de comerem também a parte deles, começaram a lavar a loiça.
Eu e o Cuxixo viemos para dentro do abrigo, preparar as armas e as munições para levarmos.
O Cuxixo vestiu o camuflado e saiu cá para fora, enquanto eu fiquei mais calmamente a vestir o meu.
Eu e o Cuxixo éramos os únicos dos oito presentes, que pertencíamos ao 4.º pelotão. Os restantes pertenciam aos 1.º 2.º e 3.º pelotões.
Portanto, só os dois é que saíamos nessa tarde e provavelmente sairiam outros à noite.
Parou um jipe em frente do abrigo e saiu de lá o Alverca que chamou por mim:
- Serra prepara a trouxa que vais cantar para Tite !... No Domingo há lá festa e vai lá o Comandante Chefe Brigadeiro António de Spínola.
- Mas que grande merda. Disse eu.
- Mas que grande merda porquê? perguntou ele, até parece que não ficaste contente, quando ainda por cima te livras, mesmo à última hora, de saíres para o mato.
- Não é isso, pá respondi eu:
‑ É que hoje é terça‑feira, a festa é no Domingo e eu estou com a garganta toda inflamada.
- Mas isso não é problema pá. Disse ele.
‑ Porque assim que lá chegares vais ao médico para ele te medicamentar e se depois vires que hoje não podes ensaiar com o conjunto, começas amanhã, ou depois.
Agora despacha-te que está uma avioneta na pista à tua espera e o aviador está a beber uns whiskys com o capitão.
Descontente, entrei no abrigo e comecei a meter a farda n.º 2, as botas de cabedal, o estojo de barbear e outros utensílios dentro do saco de lona.
Os outros encontravam‑se cá fora a conversar com o Alverca e eu vendo que não tinha outra alternativa de avisar a Quintas, chamei o Fernando dizendo:
- Chega aqui que eu quero‑te pedir um favor.
Ele entrou e eu disfarçadamente puxei‑o para o fundo do abrigo e disse‑lhe:
‑ Fernando, tu sabes ou desconfias, que eu ando com a Quintas.
Ele respondeu:
- Claro que sei porque não sou parvo nenhum.
- Então se sabes guarda segredo e não contes a ninguém. Disse‑lhe eu.
- Agora quero‑te pedir outro grande favor. Queria que tu a fosses avisar, lhe dissesses que eu parti inesperadamente e que só voltarei lá para o fim da semana que vem. Ela está no rio à pesca, mas se não quiseres ir lá, passas na tabanca por volta das cinco horas que ela a essa hora já lá está. Portanto peço‑te este grande favor.
- Está bem Serra disse ele, - fica descansado que eu daqui a bocado, vou ao rio ter com ela e aviso‑a.
Agradeci‑lhe e dei‑lhe um abraço. Depois saí com o saco às costas e gritei.
- Adeus pessoal, até p'rá semana!
- Adeus Serra, agora vê lá se não te engasgas a cantar. Responderam os outros alegremente.
Subi para o Jipe e arrancámos. Quando chegámos ao comando o aviador e o capitão encontravam-se sentados a conversar. O capitão olhou para mim e disse:
‑ Agora vê lá se não deixas a Companhia ficar mal.
Dito isto levantaram‑se os dois e despediram-se. Eu fiz‑lhe continência e segui com o aviador em direcção à pista.
Já dentro da avioneta; pus‑me a pensar tristemente nas voltas que a vida dá. Ainda à pouco tempo eu extasiava de alegria, quando por acaso se dava um acontecimento destes. Agora por amor à Quintas ficava triste e não me importava de andar nas emboscadas arriscando a vida só para estar perto dela ... o que é a vida - pensava eu, - que tudo nos dá e tudo nos tira.
Chegámos a Tite e eu despedi‑me do tenente aviador agradecendo‑lhe a viagem e de seguida fui‑me apresentar ao Oficial de Dia.
Disse‑lhe que tinha vindo de Jabadá para participar na festa de Domingo. Mandou‑me requisitar roupa para a cama e que depois me alojasse numa caserna qualquer.
Fui requisitar a roupa e quando seguia em direcção da caserna encontrei o Alcino, que depois de ficar ao corrente da minha presença ali, me convidou para dormir no Posto Rádio.
Pelo caminho disse‑me:
‑ Ficas no posto o tempo que por cá permaneceres e assim escusas de ir para a confusão da caserna, mas só te quero fazer uma advertência: Se por acaso por lá aparecer o major Carlos Pereira ou o comandante Zé das Vacas e te perguntarem o que estás lá a fazer, respondes que pertences a Jabadá mas que também és radiotelegrafista.
- O. K. fica descansado que não vai haver problemas. Respondi eu.