SHERNO ou memórias da guerra na Guiné |
VOLTANDO À QUINTAS
assaram‑se três dias e da Quintas nem sinais. O Cuxixo martelava‑me a cabeça dizendo que eu é que tive a culpa e que precisava da roupa lavada.
Já farto da música dele, disse‑lhe:
‑ Em vez de estares p'rái a barafustar, pega tu na roupa e vai levá-la à tabanca.
Disse que não, e que se ela não aparecesse mudava de lavadeira.
Pus os pés a caminho e dirigi‑me à tabanca dela. Encontrei‑a na parte de fora, debruçada sobre um tacho. Estava a cozinhar o almoço, para mais tarde ir levar aos pais que se encontravam na Bolanha a preparar a terra para a próxima colheita de arroz, uma vez que o Inverno se avizinhava.
Aproximei‑me dela silenciosamente e sem que ela notasse a minha presença, chamei‑a.
- Quintas.
Endireitou‑se repentinamente e deixando a colher de pau com que mexia o arroz, correu para mim e abraçou‑me, ao mesmo tempo que me beijava o rosto e o pescoço.
- Oh! Scherno como é bom ver‑te e ter-te aqui apertado a mim. Eu correspondia aos beijos e às carícias que ela me dava, apertando‑a também.
Quando nos recompusemos perguntei‑lhe:
- Então Quintas, porque é que nunca mais apareceste? Eu já tinha tantas saudades de ti, que não resisti a vir ver‑te e ao mesmo tempo pedir‑te perdão pelo sucedido.
- Não Scherno. Tu não precisas de me pedir perdão. Disse ela.
- Porque tu não me obrigaste. Eu fui porque quis e porque gosto muito de ti e se tu quiseres eu estou sempre pronta a fazer amor contigo. Mas só contigo e mais ninguém.
Eu acreditei. E tive a certeza de que ela me dedicou respeito e fidelidade até ao fim.
Depois disse:
‑ Se não tenho aparecido lá é porque tenho andado a ajudar os meus pais na Bolanha, que andam a amanhar a terra para a próxima colheita. Mas nestes últimos dias tenho pensado muito em ti.
- E eu em ti também Quintas. Porque te adoro e desde aquele dia que não te consigo esquecer.
Ela debruçou‑se novamente sobre o tacho, mexeu‑o e meteu mais lenha na fogueira, depois disse:
‑ Bom Scherno, eu agora tenho de me despachar para ir levar o almoço aos meus pais. Mas se tu quiseres aparece cá de tarde, que eu estou sozinha.
Abraçámo‑nos, beijámo‑nos mais uma vez e eu vim‑me embora contente e feliz, deixando‑a a ela também contente e delirante.
Chequei ao abrigo e disse ao Cuxixo:
‑ Olha vi a Quintas e ela disse‑me que vinha cá logo para te levar a roupa suja. Disse‑me também que não está zangada com ninguém e que se não tem aparecido é porque não tem podido, porque tem andado a ajudar os pais na Bolanha.
O Cuxixo meio sisudo e de cabeça baixa respondeu:
- Está bem, mas se ela não aparecer dou a roupa a outra, porque o que não faltam p’rái é lavadeiras.
Depois de almoçar deitei‑me durante alguns momentos em cima da cama, para descansar um pouco ... mas a Quintas não me saía da cabeça.
Levantei‑me calmamente e tentei disfarçar o meu nervosismo na presença dos outros. Passado algum tempo começaram a jogar às cartas e eu aproveitei para me afastar dizendo:
‑ Bom eu já venho, vou até lá cima à tabanca das minhas lavadeiras. Eles praticamente nem me ouviram, entretidos que estavam com as cartas. Mas o Fernando que era astuto e bom rapaz, olhou‑me desconfiado, ao mesmo tempo que eu a sorrir lhe voltava as costas e dizia até logo.
Quando cheguei há casa da Quintas deviam ser 14 h. Encontrei‑a impaciente e nervosa. Acalmei‑a e apertei‑a contra mim. Ela sossegou e depois de nervosamente olhar para todos os lados puxou‑me para dentro de casa.
A Quintas tinha uma pele suave e luzidia, que eu beijava e acariciava, com um prazer estonteante. Pele que nunca conheceu perfumes, sabonetes ou champôs. Simplesmente se lavava diversas vezes ao dia com sabão, e outras tantas vezes com água e sal. Toda ela era asseio e pureza natural.
A Quintas era linda, meiga e terna. Amei‑a intensamente, da mesma forma como ela me amou a mim.
Embora também tivesse amado muito a Huana e a Danka ... mas a Quintas foi quem acabou por levar o meu imenso amor e a minha infinita paixão.
Gostávamos cada vez mais um do outro. Ela todos os dias ia ao abrigo, a protesto de ir buscar a roupa do Cuxixo e eu todos os dias ia vê‑la à tabanca, chegando a um ponto que não podíamos passar muito tempo sem nos vermos. Só nos sentindo bem juntos.