SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

OS TOMATES DO PRETO

 

        

 

a parte da tarde estava eu sentado na frente do abrigo, com a arma ao colo, ao mesmo tempo que os meus pensamentos vagueavam, sei lá por onde, quando de repente vejo sair da tabanca em frente um homem acompanhado de duas mulheres. Tudo isso era normal, só que o homem ‘’coitado’’, vinha todo derreado, segurando no enorme par de testículos, maiores ainda que uma bola de cautchú. Nunca tal tinha visto na minha vida. Aquilo era um fenómeno. Mas que grande par de tomates.

         Aproximei‑me para ver melhor e fiquei de boca aberta. Coitado, pensei eu, mas que grande sofrimento, e ainda por cima como se não bastasse, para se deslocar tinha de andar sempre com os tomates na mão. Pobre homem que vivia completamente escondido e isolado, com vergonha de mostrar a sua terrível fatalidade.

         As ervas e as plantas que as mulheres ferveram e lhe aplicaram ali pouco ou nada adiantavam, visto ser uma hérnia e hérnia não é doença. Neste caso só a cirurgia lhe podia valer, caso contrário não parava de aumentar, até que um dia acabava por rebentar e o homem acabaria por morrer.

         Falei no caso ao furriel Santinho que era o responsável pela enfermaria pela nossa saúde e em certa parte pela da população.

         Disse‑me para levar lá o homem que depois lhe passava uma guia e o mandava para o Hospital Civil de Bissau.

         Vim para baixo, fui falar com o homem e com as duas mulheres, fazendo‑lhes ver que se ele continuasse assim, acabaria por morrer.

         Elas concordaram em o levar ao hospital, só que ele depois de tanta insistência da minha parte, acabou por não ceder. Dizendo que tinha vergonha e que preferia morrer a sair da tabanca.

         Fiquei triste por não poder fazer nada para lhe acabar com o sofrimento, mas pelo menos tentei e por muitas mais vezes o fiz, só que sem resultado, porque ele não queria e ninguém o podia obrigar, preferindo sofrer.

         Quando acabei a comissão ele ainda vivia, só que estava cada vez pior, com o volume sempre a aumentar.