SHERNO ou memórias da guerra na Guiné |
DEDICATÓRIA
Ao meu colega e amigo Jorge Teixeira,
que pelas histórias que eu lhe contava
da guerra e da Guiné, tanto me incentivou.
À minha mulher Alzira, e aos meus filhos
Jorge, José e João.
E à minha querida mãe pelo muito que sofreu
com a partida do filho para a guerra.
Homenagem a todos aqueles que na África
lutaram pela Pátria ... e que na África
perderam a vida.
AGRADECIMENTOS
Ao ex-alferes ‘’Souto França’’, hoje distinto Professor Doutor no domínio da Psicologia Clínica, pela compreensão manifestada aquando da leitura deste livro pela grande disponibilidade e preciosa ajuda sem a qual o seu concluir seria se não impossível, muito mais difícil.
E também ao meu filho Jorge Carlos que arduamente me encorajou e ajudou na organização deste trabalho. Sem o seu esforço seria mais difícil esta obra completar-se.
NOTA DO AUTOR:
Foi para mim muito difícil escrever este livro, uma vez que tive de avivar a memória, forçando-a a viver cenas da minha vida já passada e quase totalmente adormecidas.
O resultado deste esforço foi ter de passar noites em branco e outras cheias de pesadelos, acordando com os meus próprios gritos.
Chegou-se mesmo ao ponto de aterrorizar a minha paciente mulher, que me dizia:
- Carlos desiste de escrever esse livro, porque este quarto, a cada noite que passa vai-se transformando num autêntico terror e tu estás a destruir-te passando sucessivamente tantas noites sem dormir.
Não desisti e hoje o resultado está aqui, que espero seja do agrado de muita gente ... especialmente daqueles que esta guerra viveram e que certamente se irão identificar com as minhas memórias.
SCHERNO
Começou a ser escrito em Lisboa
no dia 19 de Setembro de 1996,
sendo terminado em Loures
no dia 3 de Abril do ano 2000
PRÓLOGO
O contexto do presente livro passa-se na Guiné, nos anos 1969 e 1970, no auge da guerra fria, em que tanto a União Soviética como os E. U. A. pagavam, armavam e treinavam ‘’revoltosos anti-colonialistas’’, ajudando-os na sua independência para de seguida os dominar politico-economicamente, desfrutando das suas posições estratégicas, do seu petróleo, diamantes e outras matérias primas.
Casado e com filhos, um jovem lisboeta vê-se de repente recrutado para ir combater em África. Procura esquivar-se por todos os meios, mas apenas consegue adiar a sua partida durante alguns meses.
Integrado numa companhia sedeada em Jabadá, começa a tomar nota, como num diário, de todos os acontecimentos que para si se revestiram de maior significado.
Num estilo muito simples e sóbrio, mas pleno de emoção, descreve-nos, do seu ponto de vista pessoal, as suas agruras, os seus amores, o seu quotidiano no aquartelamento, as amizades com a população e os combates em que participou.
Trata-se de uma descrição de breves episódios da guerra da Guiné, narrados por quem os viveu com ‘’sangue, suor e lágrimas", difícil de traduzir em palavras (não há palavras que possam descrever aquele turbilhão de sensações, emoções e sentimentos) e mais difícil ainda de compreender por quem por lá não passou.
Decorridos mais de trinta anos sobre as guerras coloniais, a mensagem que os jovens de hoje recebem dos meios de informação dá-lhes uma ideia de que os portugueses colonialistas eram racistas que exploravam impiedosamente os pobres dos negros e que a guerra foi um suceder de atrocidades e chacinas cobardemente perpetradas pelos brancos.
O testemunho vivido deste soldado mostra-nos que, embora possa ter havido algumas excepções, as relações entre ambas as partes, pelo menos no caso português e na Guiné, revestiam-se de consideração, amizade e humanismo, não só entre os militares portugueses e a população como mesmo com os combatentes do P. A. I. G. C.
As amizades do soldado Serra com a população nativa, ao ponto de o alcunharem como ‘’Scherno’’ (deformação balanta da palavra Serra, mas também a designação de amigo, protector, pessoa digna, em beafada) e os seus amores com a Danka, a Huana e a Quintas (e ao dizer amores refiro algo mais profundo, um envolvimento sentimental muito para além da mera relacionação sexual), teriam sido possíveis se o ambiente fosse de racismo?
O modo como os soldados do P. A. I. G. C. trataram o soldado Cuxixo quando o capturaram, teria sido o mesmo se os portugueses tratassem mal os seus prisioneiros ou se fossem autores das atrocidades que hoje lhes são imputadas?
O heroísmo com que os soldados de ambas as partes combatiam quando se defrontavam, seguido pelo humanismo de tratarmos e evacuar-mos os feridos dos dois lados, sem qualquer discriminação, deixando-lhes os seus mortos para que mais tarde os viessem recolher e prestar-lhes os devidos rituais fúnebres, bem como o retirar das suas minas quando verificaram que nós não usávamos essas armas, teria sido possível noutra guerra, entre pessoas que se odiassem em vez de se respeitarem?
O soldado Serra testemunha-nos apenas o que viu e sentiu, tal como o viram e sentiram tantos outros milhares de soldados nas mesmas circunstâncias. Heróis ingratamente não reconhecidos.
Nesta narrativa, sem quaisquer pretensões literárias, ele dá-nos uma das melhores lições da História Contemporânea de Portugal, repondo o que a politização deformou.
Lisboa, 30 de Fevereiro de 2.000
O ex-alferes ‘’Souto França’’