SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

O BRIGADEIRO ANTÓNIO DE SPÍNOLA FICOU EM APUROS

 

        

 

uma manhã por volta das onze horas, pousou um helicóptero na parada do quartel. Curiosamente fomos ver qual era a novidade que nos trazia. Quando chegámos vimos o Comandante Chefe já na parada, a ser cumprimentado pelo capitão Capucho. Aproximámo‑nos para melhor poder admirar o homem que comandava todas as tropas da Guiné.

         Como sempre vinha vestido de camuflado, de chibata na mão e com o seu inseparável monóculo.

         Entretanto o helicóptero desligou a hélice, o Brigadeiro olhou à sua volta e disse para todos os presentes:

         - Sim senhor. Dou‑lhes os meus parabéns pelos melhoramentos que fizeram em Jabadá e faço votos para que continuem a construir sempre ... mais, e melhor.

         Depois disse que lamentava o facto da ovelha negra que tresmalhou, referindo­se ao Cuxixo e pouco mais adiantou a esse respeito.

         O capitão falou‑lhe dos novos abrigos e da escola que tínhamos construído para os nativos, que já estava a funcionar com um professor africano.

         O Brigadeiro fez questão de ir ver a escola e alguns abrigos. O capitão não hesitou um segundo e lá o foi encaminhando, enquanto nós os rodeávamos enquanto prosseguiam.

         O comandante chefe ficou deveras satisfeito com o que viu e deu grandes elogios ao capitão Capucho, que não conseguia esconder a sua vaidade e embevecimento.

         Vistos os melhoramentos, retomámos novamente o caminho até ao quartel.

         Quando chegámos, o brigadeiro parou no meio da parada junto ao helicóptero e disse ao capitão que queria ir à cozinha, provar a comida destinada aos soldados. Em todos os aquartelamentos onde passava, ele ia sempre provar o pão e a comida. O capitão encaminhou‑o em frente e eu disse para o Fernando que seguia ao meu lado:

         ‑ Deus queira que o almoço seja toucinho de porco com batata à cambalhota. Mal o Spínola o meta na boca vomita‑o logo, com certeza.

         Mal acabei de pronunciar estas palavras, começou um violento ataque do inimigo, com as granadas a rebentarem perto de nós. Em fracções de segundos fugiu tudo, incluindo o capitão. O brigadeiro ficou sozinho e abandonado, gritando em voz alta, pior que uma barata mas ninguém compreendia o que ele dizia, devido aos fortes rebentamentos. Era um homem sem medo.

         Tanto gritou que acabou por se calar e correu a refugiar‑se na cozinha.

         Mal acabou o ataque, despediu‑se do capitão, e sem perda de tempo entrou no helicóptero. E foi‑se embora furioso, sem ao menos provar o nosso rancho melhorado.

         O saudoso Marechal António de Spínola, mais uma vez provou que era um homem destemido e valente, não só por este facto, mas por tantos actos de valentia e heroísmo que praticou em Angola, quando ainda era capitão, principalmente nos combates que travou na Pedra Verde, de onde saiu vencedor.

         Sendo por estes e outros factos considerado por nós, combatentes, um herói nacional.