SHERNO ou memórias da guerra na Guiné |
A FESTA DO BARQUEIRO CASSIANO
m Jabadá tínhamos dois barcos, um Zebro de borracha igual aos dos Fuzileiros, e outro em fibra, com os respectivos motores.
Um desses barcos deslocava-se todos os dias a Bissau que ficava a 40 km de distância pouco mais ou menos. Trazia e levava o nosso correio, assim como outros bens materiais de que necessitávamos.
O Cassiano era quem os conduzia com perícia e eficácia, dada a experiência e os anos de prática que a tanto o obrigaram. Porém devido à sua humanidade foi severamente castigado com mais alguns meses de comissão.
O Cassiano pertencia à Companhia que nós viemos render e num desses dias rigorosos de Inverno, em que o rio se encontra altamente perigoso e agitado viu quando vinha de Bissau, duas mulheres, um homem e duas crianças a naufragarem numa canoa, sendo arrastadas fortemente pela corrente e com poucas possibilidades de sobrevivência. O Cassiano não hesitou, com muitas dificuldades arriscando a própria vida, socorreu-os e salvou-os. (mérito lhe seja concedido pelo acto de valentia e coragem que cometeu). Só que com tanta agitação o barco tombou e a arma (G-3) caiu à água, indo repousar nas profundezas do Geba.
Levantaram-lhe um Auto devido ao desaparecimento da arma ... o tempo foi-se passando e a companhia a que ele pertencia acabou a comissão, regressou à Metrópole, e ele por cá ficou à espera da decisão do Tribunal Militar.
Como essa decisão tardava em chegar, o capitão Duro Capucho pôs-se em campo e em pouco tempo conseguiu ilibar o Cassíano de qualquer sanção que por ventura lhe quisessem impor.
Este feito do capitão Capucho deu-nos uma grande satisfação, visto ter actuado em prol do Cassiano, que por todos nós era respeitado e admirado.
Entretanto o capitão Capucho que também sentia uma grande admiração e amizade por ele, não o quis deixar ir embora sem que primeiro lhe fosse feita uma grande homenagem.
Mandou matar uma vaca e comprar vinho do porto e bolos secos em Bissau pelo Salsicha, o novo barqueiro substituto do Cassiano.
A festa fez-se no Comando com a alegria geral dos que se encontravam presentes, excepto aqueles que tiveram de ficar de guarda aos abrigos.
Fizeram-se discursos só e exclusivamente dedicados ao Cassiano. Entretanto o vinho e a cerveja iam produzindo o seu efeito... alterando os ânimos e aumentando a alegria. Nisto o Camacho agarrou na viola e começou a cantar, juntando-se a ele, mais uns três ou quatro, entre eles o Lôrpa. E todos juntos animaram ainda mais a festa, cantando umas modinhas dos conjuntos António Mafra e Maria Albertina.
O pessoal aplaudia e cantava também. A dado momento começaram a gritar por mim para os substituir:
- Serra!... O Serra!...
Constrangido como estava eu ia-me esquivando, mas devido à tanta insistência daqueles que já me tinham ouvido cantar, principalmente o Fiúza e os restantes amigos que dividiam comigo o mesmo abrigo e depois de muitas hesitações lá me decidi ... Pedi a viola ao Camacho e muito calmamente comecei a cantar: Raphaelo "You Soy Aquele" logo de seguida Gianni Morandi "Non soy digno de ti". Duo Ouro Negro "Maria Rita". Litlle Tony "Stá siera mi piento" e Pepino Galhardi "Primavera".
A minha actuação foi um sucesso, proporcionando-me a partir daí, muitos bons momentos, mas devido à inveja que infelizmente sempre acompanha a maioria das pessoas, trouxe-me também muitos dissabores.
A festa terminou e a vida voltou ao seu curso normal. E no dia seguinte lá foi o Cassiano, contente e feliz, rumo a Bissau e depois Metrópole, onde iria matar saudades da família, que há muito o esperava ansiosamente.