SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

OS DOIS SEM SEXO

 

        

 

á pelo entardecer, depois de dar uns bons mergulhos na praia, peguei na toalha e no sabão, e dirigi‑me aos balneários com o propósito de dar um banho de chuveiro.

         Conforme molhei o corpo e me comecei a esfregar com o sabão, olhei para o lado e não quis acreditar no que vi.

         Nos chuveiros do meu lado esquerdo, encontravam‑se dois indivíduos que no lugar do sexo, só tinham um buraquinho para mijar.

         Fiquei horrorizado e não consegui conter a curiosidade. Perguntei o que lhes tinha acontecido para ficarem assim castrados.   Responderam‑me que foi uma preta que os encalicou e que na altura não ligaram, até que os micróbios (gonococos) se foram reproduzindo aos milhões, contaminado‑lhes toda a parte sexual.          Quando deram entrada no Hospital Militar de Bissau, já não havia remédio para a cura. A única solução foi amputarem‑lhes os órgãos genitais pela raiz.

         Depois disseram‑me que não queriam voltar à Metrópole, nem voltar a ver a família, porque a vida para eles já não tinha significado. Disseram‑me também que queriam ficar na Guiné até ao fim dos seus dias e que para isso iam metendo sempre mais Comissões. Já se encontravam ali há quatro anos.

         Perguntei‑lhes o que iam fazer se um dia a guerra acabasse e eles fossem obrigados a regressar há Metrópole. Responderam‑me que quando chegassem ao alto mar se lançavam aos tubarões.

         Coitados, pensei eu, mas que grande fatalidade. A vida sem sexo já não tem razão de ser, disso não há dúvida. Quanto a mim, penso que é preferível a morte a tal sorte.

         Deixei‑os com a sua dor, e encaminhei‑me para a caserna, triste e arrepiado, pensado que todos nós, os que praticávamos sexo com as negras, estávamos sujeitos à mesma fatalidade.

         No outro dia logo pela manhã, despedimo‑nos de Bolama. Caminhámos durante quatro ou cinco horas, através de pântanos, selvas cerradas e praticamente virgens. O Sol queimava‑nos e torturava‑nos. Só devido a muito sacrifício íamos progredindo passo a passo, com as moscas perseguindo‑nos incessantemente, sugando‑nos o suor, que nos escorria pela cara e pelo pescoço, ao mesmo tempo que até o próprio ar que respirávamos nos sufocava.

         Quando chegámos a Fulacunda íamos exaustos e cansados, mas a maioria ainda tivemos forças para arrumar todo o material na caserna que nos foi destinada.

         Tomámos banho e só depois do almoço nos deitámos, para dormir uma merecida sesta.