SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

PASSÁMOS A CEAR SOPA DE CARTÃO

 

        

 

oltei novamente ao abrigo Beira-Mar. Depois de alegremente viver e conviver com os camaradas e amigos do abrigo Naulila.

         Os ataques do P.A.I.G.C. ao aquartelamento continuavam mas com menos intensidade, só para nos dar alento e ajudar a passar o tempo, porque eles há muito que sabiam que de nós já não levavam nada.

         Passámos a jogar à batota quase todas as noites, excepto quando tínhamos de sair para o mato. Começávamos quase sempre às 20 horas e acabávamos por volta das 5 h da manhã, hora a que o gerador era desligado porque o dia começava a nascer.

         Mas para isso tomávamos as devidas precauções, metendo cobertores a tapar o alpendre, afim de evitar que a luz não fosse vista, nem do rio nem da mata. Depois encostávamos as armas à parede, bem juntas de nós e iniciávamos o jogo. Com a segurança de estar sempre um de sentinela, porque há poucos meses atrás, tinham sido oito dos nossos, apanhados à mão em Mansôa, precisamente a jogar à Lerpa, e para que tal não nos acontecesse a nós, tínhamos de tomar as devidas precauções.

         Todas as noites comprávamos whisky, latas de coca‑cola e enquanto jogávamos íamos bebendo e fumando.

         Por vezes, quando não tínhamos dinheiro, jogávamos a cigarros e o resultado acabava por ser o mesmo. O que era preciso era passar o tempo e não estávamos ali para nos explorar uns aos outros. Estávamos sim a queimar tabaco e a destruir a figadeira, levando noites consecutivas a beber whisky misturado com coca-cola e a castigar o organismo, que na altura com apenas 22 anos não se queixava. E nós até praticamente desconhecíamos que tínhamos fígado.

         Hoje chego à conclusão que o corpo humano resiste mais que o ferro e se contraímos doenças é sem dúvida por nos desleixarmos  ou não sabermos cuidar dele convenientemente. Porque o nosso organismo quando é massacrado ou mal tratado, tem uma grande capacidade de recuperação. E disso não tenho eu a menor dúvida; depois de todas estas experiências fui aprendendo a cuidar dele e ele felizmente não se tem queixado.