SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

A COBRA CUSPIDEIRA

 

        

 

ntretanto vim para baixo sozinho. A Quintas não me fez companhia porque já se tinha despedido da menina na tabanca e de seguida foi lavar roupa para o poço. Pensei em ir ter com ela, mas como estava triste e cansado, decidi vir para baixo, deitar‑me um bocado em cima da cama e mais tarde ir ao seu encontro.

         Conforme me ia aproximando, ouvi uma grande algazarra que vinha do abrigo. Corri para saber o que se passava e fiquei espantado ao ver o Pantaleão à volta da gaiola dos dois papagaios a tentar empurrá‑los para fora. Os outros gritavam:

         ‑ Está quase!... está quase!... Ela já lhe cuspiu para os olhos. Ao mesmo tempo que gritavam, metiam a mão a servir de pala, para proteger os olhos.

         Aproximei‑me e vi uma cobra cuspideira dentro da gaiola, que ali se introduziu certamente para engolir os papagaios.

         A cobra completamente assanhada metia a cabeça no ar e cuspia furiosamente na nossa direcção. Os papagaios já estavam quase cegos, com os olhos a ficarem cheios de névoa e quase brancos.

         Nisto o Atamã grita‑me:

         ‑ Serra, vai buscar um copo com água e sal, que é para depois lavar os olhos aos papagaios. Corri imediatamente a fazer o que ele me pediu e quando voltei já estavam libertos. Pus-me com o Maneiras a lavar os olhos dos bichos, enquanto os outros derramavam gasolina, sobre a gaiola, e lhe ateavam fogo, deixando a cobra completamente carbonizada.

         A cobra cuspideira defende‑se e ataca a vítima, lançando fortes jactos de saliva na direcção dos olhos, que se não forem lavados logo de imediato com água e sal, pode conduzir à cegueira.

         Nunca soube quem descobriu este simples antídoto, mas penso que foi alguém que pertencia há minha Companhia, porque quando chegámos à Guiné alertaram‑nos para o perigo da cobra cuspideira. Que se tivéssemos a fatalidade de alguma nos lançar o jacto para os olhos, corríamos o risco de ficar cegos. E que até à data não se tinha descoberto antídoto nenhum, para nos salvar deste mal.

         Os pássaros, passados mais ou menos quinze minutos, recuperaram a visão e a vista voltou à cor normal. Fiquei intrigado e perguntei‑lhes quem tinha descoberto o antídoto milagroso, mas ninguém me soube responder. Isso também pouco nos interessava, o importante é que já estava descoberta a cura para esse mal.