SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

MAIS TARDE O TRÔLHA TEVE FATALIDADE IDÊNTICA

 

        

 

Trôlha era pedreiro de profissão na vida civil e na militar atirador. O capitão Capucho, vendo que se perdia um mau atirador e que se ganhava um bom pedreiro, acabou por optar e fez a troca. E em boa hora o fez porque o Trôlha era um grande profissional e muito trabalhador.

         Tive oportunidade de trabalhar ao lado dele, na construção de uma escola destinada aos nativos. A  ele fiquei a dever o pouco que aprendi de construção civil.

         Participou também na construção de novos abrigos, ajudando e colaborando com os camaradas do Batalhão de Engenharia 447, a quem coube a difícil tarefa de construir novos abrigos e também de outros majestosos melhoramentos, dignos de serem admirados.

         Um dia, quando trabalhávamos na construção da escola, o Trôlha  pegou de qualquer maneira, num saco de 50 kg. de cimento e o esforço foi de tal ordem e feito tão inconscientemente, que lhe provocou uma quebradura. Deu um grito e agarrou‑se à parte debaixo do ventre.

         - Que é que foi pá?

         Perguntámos nós quando o vimos a contorcer‑se com dores.

         - Não foi nada.

         Respondeu ele:

         ‑ Isto já passa.

         De facto os dias foram passando e ele nunca mais se queixou. Mas um dia quando estava a mijar, contra um mangueiro, chamou‑nos e disse:

         - É pá; olhem só para isto, estou a ficar com os tomates cada vez maiores.

         Tentei explicar o que lhe estava a acontecer. Dizendo‑lhe que conforme pegou no saco de cimento, o peso foi muito, e como ele não estava bem apoiado, nem nas pernas, nem no tronco, o peso provocou‑lhe quebradura da hérnia e que agora a tripa ia descaindo para os testículos, alojando‑se e enrolando‑se, provocando‑lhe assim o aumento do volume.

         Estive a gastar o meu latim, praticamente para nada. Porque ele ignorou, ou fez que não entendeu.

         Não desisti e tentei amedrontá‑lo dizendo‑lhe:

         - Se não te pões a pau, ainda ficas como o homem que vive na tabanca junto ao meu abrigo. Faço questão que o vás ver, que é para ficares a saber aquilo a que estás sujeito.

         A seguir ao almoço levei‑o à tabanca do pobre homem. O TrôIha, quando o viu meteu as mãos nos olhos e ia caindo para o lado, entrando completamente em pânico.

         Disse‑lhe para ter calma, que o problema dele tinha solução, mas ele não me deu ouvidos e saiu à pressa meio atordoado. Aproveitei para ficar mais alguns momentos junto do pobre homem e das suas duas mulheres. Contei‑lhe o que tinha acontecido ao TrôIha, fazendo‑lhe ver que ia ser operado no hospital e que ia ficar bom, tentando sempre convencê‑lo a fazer o mesmo. Mas acabei por desistir, porque o pobre homem, preferia sofrer a ter de sair da tabanca.

         O tempo foi passando, ao mesmo tempo que os tomates do TrôIha iam ficando cada vez maiores e nós na brincadeira gozávamos com ele, chamando‑lhe colhão de garro (boi em criôlo).

         Até que um dia partiu para Bissau, onde foi operado com sucesso, no Hospital Militar, onde permaneceu em convalescença, mais ou menos 30 dias.

Quando regressou ao trabalho passou a agir com mais cuidado, pegando em pesos menores e fazendo menos força. Restabelecendo‑se dessa forma, até atingir os 100% e felizmente nunca mais teve problemas.