SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

CORRER ATRÁS DOS ANIMAIS

        

        

 

ntretanto vim para o abrigo e a seguir ao jantar começámos a jogar às cartas. Por volta das 23 horas, parou o jipe com os alferes Souto e Samaritano. Apearam-se e mandaram‑nos entrar no abrigo. Disseram para nos prepararmos  que íamos sair por volta das 3 horas da madrugada, para irmos atacar uma aldeia, onde segundo informações se encontravam "turras". Que ficava a 13 km de distância e que nesse ataque só participavam, os 1.º e 4.º pelotões, dos quais só fazíamos parte o Piruças e o Mosca, que pertenciam ao 1.º Pelotão, e eu ao 4.º .

         Portanto, do abrigo só participávamos três. Dada a informação foram‑se embora e nós começámos a preparar as armas e munições.

         Entretanto o Morcela disse‑nos para vermos se conseguíamos apanhar alguns animais. Ele, lá pela manhã, ia com os miúdos esperar por nós à entrada, e no caso de trazermos animais lhe entregássemos, que ele e os miúdos fugiriam disfarçadamente para o abrigo sem dar nas vistas. Ficou tudo assente e nós dissemos que íamos tentar.

         Deitámo‑nos e, por volta das 3 horas, o Carôlo acordou‑nos. Pegámos nas armas e viemo‑nos concentrar à saída, onde os alferes nos deram mais algumas instruções e tácticas. Passados poucos minutos partimos silenciosamente.

         Quando chegámos ao objectivo já era dia e o sol começava a dominar todo o horizonte. Cercámos a aldeia que se encontrava praticamente abandonada ... sem turras e sem pessoas. E depois de colocadas sentinelas e montada a segurança ... uns correram para os porcos, que berravam que nem uns desalmados, outros para as cabras. Eu e o Mosca conseguimos apanhar uma galinha cada um, enquanto o Píruças corria atrás de uma cabra, que conseguiu apanhar. Eu e o Mosca trouxemos as galinhas pelas asas, com as patas atadas. Outros trouxeram leitões e cabritos às costas, e outros trouxeram porcos e cabras pela trela, depois de lhes improvisarem uma coleira.

         E lá viemos nós alegres da vida, por não termos de enfrentar os guerrilheiros do P. A. I. G. C. e ainda por cima, com boa febra para o churrasco.

         Conforme nos íamos aproximando do aquartelamento, eu, o Píruças e o Mosca começámos a deixar-nos para trás. E mal chegámos já o Morcela e os miúdos se encaminhavam para nós rapidamente lhes entregámos os animais.

         O Morcela pegou na cabra ao colo, que era pequena,  fugiu para trás, com os miúdos e as galinhas, e em menos de um segundo desapareceram  na tabanca.

         Quando olho à minha volta, verifiquei que o mesmo se estava a passar com todos os outros camaradas que traziam animais. Tinham todos combinado com alguém para os virem esperar e os levarem sem dar nas vistas.  De repente, tudo o que era bicho tinha desaparecido.

         Era habitual que quando se trazia animais abandonados estes eram entregues ao vago-mestre, que depois os vendia, pela melhor oferta, a soldados sargentos ou oficiais. Só que desta vez, os animais tinham-se evaporado antes.