SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

TEMPO DE PAZ

 

        

 

hovia torrencialmente e na horta já iam aparecendo os primeiros rebentos de salva, hortelã, coentros, alfaces, pepinos, tomates e couves.

         Aproveitávamos o tempo da melhor maneira e nos dias em que não chovia jogávamos à bola num campo construído por nós.

         O Púscas era o que mais se distinguia, principalmente a jogar de cabeça.

         Eu e o Barteló fazíamos parte da mesma equipa e quando jogávamos contra o Púscas, os dois combinados, de vez em quando, faziamos‑lhe uma sandes das boas. Eu, pessoalmente, não perdia uma oportunidade de lhe dar algumas caneladas.

         Estes  dias de paz tiveram um doce sabor ... além de jogarmos  à  bola fazíamos as mais incríveis brincadeiras.

         Entre nós havia o Jóia que tinha sido forcado amador da Moita do Ribatejo. Era alto e bem constituído. Segundo dizia, a coisa que mais gozo lhe dava era pegar os toiros pelos cornos.

         Um dia alguém teve uma ideia genial, que nós de imediato aproveitámos e pusemos em prática. Arranjar uns cornos de vaca e um suporte para os fixar na cabeça, disfarçados com um pano preto com dois buracos para os olhos. Arranjarmos também um pano vermelho para servir de muleta e uma espada de madeira.

         O material e o artista já nós tínhamos, agora só faltava quem se quisesse oferecer para boi e ser toureado.

         Num dia sem chuva, informámos o pessoal, que da parte da tarde, ia haver tourada no campo de futebol.

         Começámos com pouca assistência, mas passados poucos minutos, talvez devido à grande gritaria que os "aficcionados" faziam, afluiu uma grande multidão vinda das tabancas.

         A festa brava foi um autêntico pagode e nós ríamos até às lágrimas. O pessoal nativo até se rebolava pelo chão.

         O Jóia fez uma maravilhosa representação: Ora se punha de joelhos e agarrava nos cornos do suposto toiro, ora lhe virava as costas e sacudia a espada, num acto simplesmente teatral ... enquanto entusiasticamente o aplaudíamos dando gritos de olé. . .

         O toiro cansava‑se depressa e tinha de estar sempre a ser substituído, mas isso até nem era problema, porque numa brincadeira daquelas, ninguém se importava de ser boi, e muito menos de ser toureado.

         A brincadeira foi um sucesso e voltou a repetir-se ainda por diversas vezes.