SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

A GUERRA PSICOLÓGICA

 

        

 

stávamos em meados de Maio do ano 1970. Começou a chuva e com ela vieram novos ventos e novas mudanças ... com perspectivas para acabar com a guerra.

         António de Spínola já por diversas vezes tinha falado na Rádio, desafiando Amilcar Cabral a sair da Tabanca.

         Mais propriamente com estas palavras:

         - ‘’Desafio o senhor Amilcar Cabral a sair da Tabanca, para que possamos dialogar sobre a guerra. Se não a resolvermos com palavras, podemos resolvê‑la os dois a murro. Por isso pense bem ... saia da tabanca e venha ter comigo, antes que eu perca a paciência e mande os aviões incendiar o sítio onde está escondido’’.

         O Marechal António de Spínola foi um grande homem, herói e valente, sem medo e sem cobardia. Muitas vezes era visto a passear pelas ruas de Bissau, sozinho e sem guarda costas, acompanhado unicamente pelo monóculo e o seu inseparável pengalim. Mais tarde voltarei a falar, de uma cena que passei junto dele.

         Entretanto começou a guerra da psicologia e recebemos ordens expressas vindas do Supremo Comando, dizendo para só atacarmos, se fossemos atacados.

         Os ataques ao aquartelamento deixaram de se fazer sentir de um dia para o outro. Acabaram as operações e as saídas para as emboscadas passaram a ser relativas e mais descompassadas.

         Enfim, a Guiné, para nossa paz e sossego, deixou de ser um Inferno para se tornar num Paraíso.

         Esta mudança radical deixou‑nos cheios de alegria e com o decorrer dos dias até chegámos a pensar que a guerra ia mesmo acabar.

         Agora só dávamos tiros para caçar e já nos habilitávamos mais a sair o arame farpado, sem medo de sermos apanhados à mão.

         Uma vez que não havia guerra o capitão Capucho deu ordem para que reparassem o gerador, que andava sempre a estoirar devido à sobre‑carga. Essa reparação durou perto de mês e meio, o que para nós não foi nada bom, porque durante a noite, no reforço, não víamos um palmo à frente do nariz.

         Entretanto o capitão acabou por acreditar na inocência do Cuxixo e libertou‑o, depois de o reter durante 15 dias na enfermaria.

         Com o tempo tivemos conhecimento de que um grupo de majores e alferes de Bula e Aldeia Formosa, que pertenciam ao Regimento de Cavalaria 7, mantinham encontros secretos no mato com ‘’Chefes Turras’’, com o propósito de negociarem o fim da guerra.

         Não me lembro ao certo quantos eram esses oficiais, mas recordo‑me perfeitamente de um que fazia parte desse grupo de defensores da paz.

         Conheci‑o em Cavalaria 7 e soube também, que tinha sido assessor de Oliveira Salazar. Era um bom e simpático homem, inteligente e enérgico, aparentando ter talvez 40 anos de idade ... e foi 2.º Comandante do Batalhão a que pertencia o malogrado alferes Madureira.