SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

HUANA  MEU  AMOR

 

        

 

hegámos a Jabadá por volta do meio dia, onde já nos esperava uma pequena multidão, desde camaradas, à gente da população.  E entre essas pessoas figurava aquela que iria ser a minha "primeira paixão africana": a Huana.

         Quando ela me viu, correu para me abraçar, dizendo:

         - Scherno!

         Mim ter muita saudade ... muita saudade di ti !...

         Veio comigo, agarrada tanto ao meu braço como à minha mão, perante os olhares curiosos  de alguns. Insistiu em vir até ao abrigo para me levar a roupa suja, que eu tinha para lavar. Mas preferi que ela fosse para casa e prometi-lhe que dentro de um quarto de hora lá estaria com a roupa suja.

         Quando cheguei só estavam a Danka e a Huana. As outras  mulheres do Champion tinham ido com ele para a Bolanha cortar palha para arranjar o telhado da tabanca.

         A Danka passava roupa, com um ferro de engomar que ia aquecendo numa lata cheia de brasas a Huana olhava para mim, sorridente e feliz, denunciando-me amor e uma certa nostalgia, enquanto a Danka, com uma pontinha de malícia, ao mesmo tempo que ia passando a ferro nos olhava com um sorriso nos lábios, como que a incitar-nos.

         A Huana acariciava-me ao mesmo tempo que suavemente me ia puxando para dentro de um quarto.  A Danka maliciosamente sorria... enquanto eu carinhosamente ia beijando a Huana e entrando no quarto ... e quando tudo já estava no caminho certo eu disse:

         - E se vem o Champion?

         - Ele pode me dar uma catanada no pescoço, que me faz saltar a cabeça dos ombros!

         - Não Scherno, eles levaram a comida e almoçam lá, por isso não tenhas medo. E a Danka fica aqui fora de vigilância, se vier alguém ela avisa! ...

         Passei a fazer sexo sempre que me apetecia, e mais tarde com a Danka também, e sem que a Huana demonstrasse qualquer ponta de ciúmes. O que para mim era estranho e ao princípio tive receio de a perder, ou até de perder as duas, mas elas entendiam-se às mil maravilhas e eu via-as cada vez mais felizes, sempre juntas como se estivessem feitas de pedra e cal.

         Estas foram duas das três mulheres mais belas e carinhosas que eu conheci em toda a Guiné; salvo a existência de tantas mulheres belas que por lá existem.

         A Huana e a Danka, segundo me foi dado ver, entendiam-se como duas irmãs siamesas.

         O Champion não era ciumento e segundo me apercebi, mantinha com as duas um relacionamento cordial mas distante e foi talvez por esse motivo que elas me elegeram o seu favorito, passando eu a corresponder da mesma forma.

         O Champion sentia por mim uma certa amizade e simpatia, que começou a aumentar cada vez mais com o decorrer do tempo. Éramos bons amigos e dávamo-nos como irmãos ...  mas a amizade não impediu que ele começasse a desconfiar que se passava qualquer coisa, principalmente entre mim e a Huana.

         Um dia foi ter comigo  ao abrigo dizendo que me queria falar ... fiquei assustado e de pé atrás ... mas logo sosseguei depois de ouvir o que ele tinha para me falar:

         - Scherno, disse ele:

         - Eu sei que tu gostas muito da Huana e ela também gosta muito de ti portanto, se tu queres ela é tua eu dou-ta. Tu és muito bom pessoal e eu gosto muito de ti. A Huana a partir de agora é tua e sempre que queiras vais lá na tabanca ter com ela.

         Agradeci a oferta preciosa e dei-lhe um abraço ... guardei sigilo absoluto, embora houvesse suspeitas, mas como as suspeitas sem provas não têm fundamento, mantive o segredo fechado como se fosse um túmulo. Soube ser discreto sem provocar alarido,  evitei sempre fazer qualquer carícia à Huana ou à Danka na presença de alguém e deste modo fomos todos felizes.

         A minha mulher que me perdoe esta narrativa, que até à data desconhecia totalmente, mas o amor que eu sentia pela Huana e pela Danka, em nada se comparava com o amor que sentia por ela, o mesmo que ainda hoje sinto e conservo com todo o fervor.

         No entanto faço votos para que esta minha narrativa não vá servir de protesto para nos divorciarmos, porque é até compreensível que eu tivesse necessidade de me satisfazer sexualmente, olhando às circunstâncias e à situação em que me encontrava e ainda por cima sem ter a certeza de voltar um dia.

         No entanto volto a repetir, o amor e paixão que sentia pela minha mulher, nada tinha a ver com o da Huana ou da Danka.

         Passaram-se trinta anos e da relação que mantive durante quase dois anos, posso garantir com honestidade que nunca me arrependi e jamais arrependerei e até muito pelo contrário, recordo com muita saudade e alegria os momentos maravilhosos que passei com essas duas mulheres encantadoras, que me auxiliavam e se aliavam, à minha tristeza e sofrimento, ajudando-me em tudo o que  lhes pedia, estando sempre prontas a executar os meus caprichos, rodeando-me de carinho e atenções.  Actualmente revivo essas passagens da minha vida, como se do presente se tratasse.

         Falta referir que as relações sexuais, a amizade e a fidelidade conjugal etc... são diferentes como os costumes.

         Estas pessoas boas e simples encaravam as relações sexuais no campo da amizade e do amor, dos laços de boas relações entre as pessoas, que devem ser livres na procura da sua felicidade, sem estarem manietadas por conceitos de posse de propriedade que vêem a infidelidade como um mal catastrófico.

         A liberdade sexual era encarada como algo natural, saudável e sem libertinismos.

         Será interessante referir que, na mesma aldeia e no mesmo local havia outras raças com costumes e mentalidades diferentes.

         Os Manjacos por exemplo, - e havia uma tabanca de Manjacos - a menos de cem metros da casa do Champion - , encaravam o adultério de uma maneira bastante diferente e curiosa.

         A honra conjugal é mantida rigorosamente pela mulher Manjaca, sendo a mulher adúltera punida com a repetição em público da cópula com o sedutor, o homem pode no entanto praticar o adultério mas somente com mulheres não ajustadas para o casamento.