SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

O   JACARÉ

 

        

 

omeçámos a tomar banho no rio para nos refrescarmos devido ao calor intenso.  No princípio a medo, mas depois com o tempo até nos fomos esquecendo que havia ‘’alfaiates’’ no rio prontos a tiram-nos as medidas.

         As bajudas (raparigas novas) pescavam na beira do rio com camaroeiros: peixe miúdo, caranguejo, camarão etc., havia de tudo em abundância.

         Um dia logo pela manhã fomos tomar banho e perto de nós estava já uma dessas bajudas à pesca. Nós brincámos com ela enquanto tomávamos banho e eu, antes de nos irmos embora, disse-lhe para depois da pesca passar pelo abrigo que lhe comprava os camarões. 

         O abrigo ficava a uma distância de 100 metros e quando íamos a chegar, ouvimos a rapariga gritar por socorro com todas as forças dos seus pulmões. Corremos a pegar nas armas e fomos imediatamente em seu auxílio... estava a ser arrastada por um jacaré... desatámos a disparar e a afugentá-lo e com grandes dificuldades conseguimos que o ‘’maldito alfaiate’’ desistisse de levar a pobre rapariga. Mas por fatalidade, o maldito ainda lhe conseguiu comer o braço direito do cotovelo para baixo.

         O perigo era constante, e para nós a infelicidade da "bajuda" foi um aviso de alerta. A partir desse dia ficámos medrosos e tementes às mandíbulas dos jacarés... porque era preferível morrer de um tiro, que devorado por um jacaré.

         A infeliz rapariga logo de imediato levou os primeiros socorros e em pouco tempo apareceu um helicóptero que a conduziu ao hospital, onde permaneceu durante algumas semanas.

         Quando regressou a Jabadá com o coto sarado, vinha cheia de complexos, e psicologicamente bastante afectada, passando a andar com um pano a tapar disfarçadamente a falta do braço.

         Os nativos aperceberam-se do perigo e começaram a construir protecções no rio com pedras, fazendo muros, como aqueles que se vêem a dividir as quintas na província, como por exemplo lá para as bandas da Ericeira.

         Como não havia ondulação, a barreira estava sempre intacta sem haver o perigo de ser destruída pela força da corrente e deste modo só tinham de mandar os camaroeiros para fora.

         Pela nossa parte, quando queríamos tomar banho, juntávamo-nos uns quantos e mandávamos uma granada para dentro de água, só que não era viável porque fazíamos um enorme estrago na fauna marinha... quando a granada rebentava, trazia à tona centenas de peixes mortos.

         Mas nem tudo se perdia porque os miúdos eram uns grandes nadadores e rápidos como flechas, mandavam-se à água com agilidade e subtileza, trazendo o peixe na boca e mandando-o para fora, não desistindo enquanto houvesse peixe à tona da água. Depois era só grelhá-lo.

         Eu ficava parvo e de boca aberta, só de ver miúdos com cinco e seis anos nadarem e mergulharem com tanta agilidade, que mais pareciam os patos que os chineses utilizam na pesca artesanal... e mais tarde cheguei à conclusão que os miúdos africanos, quase que nascem a dançar, a nadar e a jogar à bola.