SHERNO ou memórias da guerra na Guiné

 

AS  TRISTES  DESPEDIDAS

 

        

 

partida ia-se aproximando e numa sexta-feira logo pela manhã, começou a agitação. Ordenaram-nos a entrega da arma "G-3" e de outros materiais; depois mandaram-nos levantar camuflados, botas e outros utensílios que seguiriam connosco nos respectivos sacos de lona para a Guiné, excepto o armamento que só seria entregue lá, pois a viagem fizemo-la completamente desarmados.

         Da parte da tarde mandaram-nos preencher um passaporte para 10 dias de licença.  Passado pouco tempo o alferes Samaritano, junto com o capitão Capucho, ordenaram que fizéssemos bicha de pirilau, num recanto da parada onde já se encontrava o sargento Taínha sentado a uma secretária, cujo tampo estava cheio de papelada.

         O sargento Taínha foi-nos chamando pelo nome, e entregando a cada um o Passaporte com os 10 dias de licença já assinado, uma guia para o transporte até casa, um certificado de vacinação para mostrar no Hospital Egas Moniz onde iríamos ser vacinados contra a varíola e febre amarela e por fim mandou assinar um recibo e entregou 1.000$00 como prémio de embarque.

         Depois de tudo entregue, o alferes Oliva Samaritano mandou-nos formar e o Capitão Duro Capucho aproveitou para proferir algumas palavras com poder e autoridade, palavras essas que pouco ou nada nos interessavam. Íamos p'rá guerra e acabou-se o medo do papão.

         Cá oprimiam-nos por tudo e por nada, mas lá a coisa ia ser muito diferente e só por isso quase que valia a pena ir para a guerra.

         Passados alguns minutos, mandou-nos destroçar e cada qual seguiu o seu destino com os dois sacos de lona às costas.

         Aproveitei ao máximo os 10 dias que me restavam para passar com a mulher e os filhos, ao mesmo tempo que fui aproveitando para me despedir da família, que entre beijos, abraços, choros e lamúrias, me iam dando animo e desejando muita sorte.

         Os dias passaram-se sem que quase me apercebesse e mal dei por mim lá estava eu mais uma vez a deixar os meus entes mais queridos "mulher e filhos" só que desta vez não sabia se algum dia os voltaria a ver.

         Terça-feira dia 18 de Fevereiro de 1969 por volta da meia-noite, quando tudo era silêncio e as crianças dormiam a bom dormir comecei a despedir-me dos meus sogros e cunhados.  Raul, Jorge e Luísa, sempre com a minha mulher agarrada a mim.  Tentei beijar os miúdos mas a minha mulher não deixou, pois se o Jorge Carlos acordasse seria o fim,  beijei só o José Manuel que tinha na altura 6 meses e meio e o Jorge com 2 anos e meio.

         Com as lágrimas nos olhos peguei nos sacos e abracei-me à minha mulher, dizendo-lhe:

         - Adeus, até breve, o tempo vai passar depressa ! ...  Fui interrompido pelos gritos do Jorge Carlos:

         - Pai, pai ... Eu quero o meu pai !... Paizinho não te vás embora!

Gritava e fazia tanta força agarrado ao meu pescoço que quase me sufocava. As lágrimas corriam-me copiosamente, beijava-o e apertava-o contra mim com todas as minhas forças, ao mesmo tempo que dizia:

         - Meu querido filho, meu querido filho! ... O pai há-de voltar! ... E então seremos todos muito felizes.